domingo, 5 de agosto de 2012

HISTORIA DO RIO GRANDE DO NORTE - ALGUNS FRAGMENTOS

A Capitania do Rio Grande Capitanias hereditárias - Após três décadas da descoberta do que seria posteriormente chamado de Brasil, Portugal voltou-se para a sua ocupação e conquista, muito mais por medo de perdê-la do que por convicção de ser um bom empreendimento. O modelo de colonização escolhido foi o de Capitanias Hereditárias, já implantado com relativo sucesso em algumas de suas possessões menores no Atlântico, próximo ao continente africano. A Colônia, então denominada de Santa Cruz, foi dividida em quinze lotes, distribuídos entre doze donatários. A concessão dava-se por meio da Carta de Doação, na qual eram definidos os limites físicos da capitania, e do Foral, no qual eram estabelecidos os direitos e deveres dos beneficiários. A Capitania do Rio Grande- A Capitania do Rio Grande, com cem léguas, foi doada a João de Barros, feitor das Casas de Mina e da Índia, a qual foi aglutinada com cinqüenta léguas doadas a Aires da Cunha e setenta e cinco léguas doadas a Fernão Álvares de Andrade, perfazendo um total de duzentos e vinte e cinco léguas de terras, cujos limites não são muito claros, em função do desaparecimento da Carta de Doação (CASCUDO, 1984). O fracasso das primeira tentativas - A conquista do Rio Grande não foi possível por seus donatários em virtude da bravura dos índios Potiguares e dos franceses, esses últimos aqui embrenhados, fazendo exploração clandestina. Duas tentativas de conquista foram feitas pelos seus donatários, sendo a primeira em 1535, comandada por Aires da Cunha, contando com as presenças dos filhos de João de Barros (João e Jerônimo de Barros) e um representante de Fernão Álvares e mais novecentos homens e cem cavalos, armas e munições do próprio arsenal régio, e a segunda, provavelmente em 1555, tendo à frente somente os filhos de João de Barros. As duas tentativas fracassaram e o máximo que conseguiram foi fundar um povoado na ilha do Maranhão, a que deram o nome de "Nazaré", isso durante a primeira tentativa. A conquista definitiva- Devido a sua localização e a sua extraordinária importância para a conquista do Norte, o Rei retomou a possessão do Rio Grande mediante indenização à família de João de Barros e ordenou ao sétimo Governador Geral do Brasil (1591 - 1602) Dom Francisco de Souza, que providenciasse a expulsão dos franceses e a construção de um Forte para dar início à colonização da Capitania. O trabalho de atacar os franceses e os índios revoltosos coube, por ordem de D. Francisco de Souza, aos capitães-mores de Pernambuco e da Paraíba, Manuel de Mascarenhas Homem e Feliciano Coelho de Carvalho, respectivamente. A vitória portuguesa - De acordo com a organização estratégica para o ataque, duas frentes foram formadas, sendo que uma avançou por mar, comandada por Mascarenhas Homem e a outra por terra, capitaneada por Feliciano Coelho. O empreendimento foi coroado com êxito e em 06 de janeiro de 1598 foi iniciada a construção do Forte dos Reis Magos, sob os cuidados do jesuíta Gaspar de Samperes e planta de sua autoria. Daí surgiu um povoado que deu origem a Natal e também a base para a conquista da região setentrional brasileira, como um todo. Sociedade colonial - A sociedade norte-rio-grandense após a conquista pelos portugueses era composta basicamente por três grupos étnicos: os aborígenes servindo como escravos, aldeados ou revoltados, embrenhados no mato, os invasores brancos divididos em homens livres proprietários e homens livres não proprietários e os escravos negros oriundos da África. E por imposição da própria conquista era uma sociedade agrária, na qual, em torno dos homens livres proprietários, gravitavam todas as determinações do local. Primeira atividades econômicas coloniais - As primeiras atividades econômicas da capitania são marcadamente de subsistência, ancorando-se na pecuária, na pesca e na agricultura de mantimentos. A cultura da cana-de-açúcar nunca obteve tanto avanço aqui, restringindo-se, à época dos primeiros tempos, apenas ao vale do Cunhaú e posteriormente espalhando-se por todo o litoral sul da capitania. Paralelamente à exploração dessas atividades, fazia-se a exploração do pau-brasil, com encaminhamento direcionado à Coroa. Em que pese a importância do pau-brasil, da cana-de-açúcar, da pesca, da agricultura etc., a atividade econômica que viabilizou a ocupação definitiva da Capitania do Rio Grande (do Norte) foi a pecuária. De modo que a esta atividade deve-se não só a ocupação mas sobretudo o seu desenvolvimento. Os Potiguares A descoberta de um novo mundo proporcionava enfrentar barreiras, vencer desafios, rumar ao desconhecido. Terra... terra farta, terra de ninguém pronta para ser desbravada, conquistada e explorada. Mas que surpresa! Os portugueses, aqui chegando depararam-se com criaturas "de porte mediano, acima de 1,65cm, reforçados e bem feitos no físico. Olhos pequenos e amendoados como os da raça mongólica, escuros e encovados, de orelhas grandes, cabelos lisos e cortados redondos, arrancavam os pêlos da barba até as pestanas e sobrancelhas. Eram baços, claros, pintavam seus corpos com desenhos coloridos. Furavam o beiço, principalmente o inferior, assim como orelhas e o nariz". (SUASSUNA & MARIZ: 1997, p. 51). Seus corpos nus expostos ao sol, sob o calor e maresia, demonstravam íntimo contato com a natureza selvagem e hostil. Contrastando com as cores do horizonte e na beleza exótica do lugar, os nativos observavam grandes embarcações com figuras espalhafatosas se aproximarem. Nesse primeiro contato, os portugueses encontraram um povo que, na escala evolutiva, superava o paleolítico e dava seus primeiros passos na revolução agrícola, quanto à domesticação de plantas de condições selvagens para mantimento de seus roçados, assim como o cultivo da mandioca. Também foram cultivadas outras espécies, como: milho, batata-doce, abóbora, algodão, tabaco, cuias e cabaças, e algumas árvores frutíferas. Para seu cultivo empregavam técnicas e instrumentos rudimentares, como a queimada e a derrubada de árvores com machados de pedra. Além da agricultura, os indígenas praticavam a caça e a pesca como fonte de alimentação, empregando armas como o arco e flecha com pontas talhadas em pedra. Da mesma forma que eram usados na guerra. Os homens nativos integravam-se perfeitamente ao meio, mas eram agressivos quanto a outros grupos e viviam em constantes lutas por seu território e lugares sagrados, defendendo sua aldeia. Festejaram a natureza, as estações, as luas, o sol, a chuva. Dançavam, cantavam em noites de festas, adornados com belas plumagens, em cocares, braceletes e tornozeleiras. Ficando em volta de grandes fogueiras, cultuavam seus mortos, valentes e valorosos guerreiros pedindo sua proteção, junto aos deuses. Enquanto que os inimigos vencidos e aprisionados eram sacrificados em rituais de antropofagia. Na cura de doenças, utilizavam de ervas e raízes extraídas da própria natureza. Assim como o uso de entorpecentes pelo Xamãs e Pajés, quando evocavam os deuses para auxiliá-los na luta contra os espíritos do mal. Falavam o nhe-ê-Katu (língua boa), diferenciando de outros dialetos existentes nas diferentes tribos. Utilizavam a cerâmica na fabricação de utensílios domésticos. A rede servia para o descanso e a canoa para locomoção e pesca. Sob o olhar europeu, aqueles nativos selvagens precisavam aprender normas de conduta e suas almas necessitavam de salvação para poderem integrar-se a uma civilização. Civilização essa que desprezara sua cultura, crenças, tradições interferindo no curso de suas vidas cotidianas. Foi de relevante importância a missão dos padres junto aos indígenas quanto à catequização, resultando em acordos de paz, ansiados por ambas as partes. Nesta jornada destaca-se a figura de Francisco Pinto, "apóstolo da paz", que através da catequese conseguia levar os nativos para o lado dos portugueses. Assistindo-os em suas necessidades. Entre os nativos, Felipe Camarão revela-se como grande aliado dos portugueses, juntamente com seus comandados, destacando-se na luta contra os holandeses e seus aliados. A participação dos potiguares também é registrada na guerra dos bárbaros ou Confederação dos Cariris, em que se rivalizavam com os Tapuias. Pois não era possível essa homogeneidade entre tribos de diferentes línguas e costumes. As rivalidades existentes entre tribos, o domínio português e a presença de negros, contribuiu para que houvesse sincretismo de culturas, onde o índio perdeu seu espaço e território. Com isso, sua história é de difícil acesso, ficando diversas indagações sobre origens e evolução cultural, pois a presença do português e da catequização contribuíram para um direcionamento na visão histórica, a partir do momento que sentiram necessidade de integrá-los ou combatê-los, de acordo com seus interesses. Tapuias Aspectos histórico-geográfico dos Tapuias- -Os Tapuias, também conhecidos por "Bárbaros", habitavam, dentre outras regiões, os sertões da Capitania do Rio Grande. Dividiam-se em vários grupos nomeados de acordo com a região onde moravam – Cariris (Serra da Borborema), Tarairiou (Rio Grande e Cunhaú), Canindés (no sertão do Acauã ou Seridó). Eram chefiados por vários reis e falavam línguas diversas. Merecendo destaque os reis Janduí e Caracará. Caracteísticas Físicas dos Tapuias - Os homens apresentavam-se corpulentos, possuidores de grande força física. A pele queimada, em tons de marrom. Usavam cabelo longo ao sabor do vento. Não costumavam usar roupas. Eram desprovidos de pêlos por todo o corpo. Apesar de andarem nus, cobriam as partes íntimas com peças feitas de materiais rudimentares, extraídos da natureza. Em contra partida, as mulheres apresentavam estrutura física pequena, mas a cor era a mesma da dos homens. Costumavam manter os cabelos curtos ou longos, de corpos rechonchudos. Também escondiam suas partes íntimas. Adornavam seu corpo com o que encontravam na natureza – Penas de aves, folhas de plantas nativas, raízes, utilizavam-se de pedaços de paus para fazerem brincos, colares e outros. Utilizavam-se de tais enfeites tanto para a prática das danças, como na preparação para a guerra. Rituais de Vida e Morte - Os Tapuias, por vezes, atingiam aproximadamente dois séculos de vida. Quando isso acontecia eram homenageados por sua tribo. Isto quando do sexo masculino - se do sexo feminino, ao darem à luz a mais de um filho, tornavam-se cativas. Estando doentes são visitados pelos amigos e se o caso de morte, matavam-nos para que não houvesse sofrimento. A causa mais freqüente de óbito entre os Tapuias era o veneno de cobra. Eram endocanibalistas, devoravam até mesmo os de sua tribo, quando da sua morte. A Vida Amorosa dos Tapuias - A puberdade era o período em que a donzela estaria pronta para casar-se. A virgindade era bastante valorizada. O namoro, acontecia entre danças, onde eram escolhidos os pretendentes. No noivado, o pretendente oferecia presente ao sogro. Quando a donzela não arrumava pretendente, era levada ao rei e este a possuía. Os jovens tinham que demonstrar valor pessoal, exibindo força física. O rei aprovava a cerimônia e quando esta se realizava, furavam-se as faces dos noivos e colocavam pauzinhos. A festa durava cinco dias. Os matrimônios eram severos, apesar da poligamia, mas as cerimônias eram reservadas às primeiras esposas. Possuir várias mulheres era sinal de prestígio. O adultério era raro, e o marido expulsava a ré, depois de açoitá-la, no caso do flagrante e poderia matá-los. Sobre os tapuias cariris, eram praticantes do adultério, e era recíproco. Da Gravidez, do Parto e das Crianças - A Índia, quando grávida, não tinha relações com o marido, também enquanto amamentava. A tapuia dava à luz nas matas, cozia o umbigo e a placenta e comia. Quando voltava ao acampamento, o filho era cuidado por outra mulher. Os maridos tinham o mesmo resguardo da parturiente. Esta se alimentavam de farinha de mandioca, milho, feijão, até o nascimento dos dentes dos lactentes. Os nascidos mortos eram devorados pelos tarairiús. As crianças começavam a andar com nove semanas e aprendiam a nadar nesta mesma época. Entre sete e oito anos eram furados o lábio inferior e as orelhas e colocados ossos e paus, depois eram batizados, ficando aptos para as lutas. Ferocidades, Armas e Lutas dos Tapuias- -Os Tapuias possuíam semblante ameaçador, corriam igual as feras, por isso eram muito temidos. Eram inconstantes, fáceis de ser levados a fazer o mal. Eram fortes, carregavam nos ombros grandes pesos. Ao irem para guerra, marchavam em silêncio, mas no embate faziam bastante alarido, jogando setas envenenadas das quais os feridos jamais escapavam. Foram úteis, como aliados dos holandeses, conduzindo aos lugares mais difíceis. Os tapuias que se destacavam nas lutas eram considerados heróis. O poder real não era hereditário, este era substituído quando morto. O rei distinguia-se dos outros pelos cabelos e pelas unhas. Os tapuias eram muito obedientes ao rei. Os tapuias se enfeitavam da cabeça aos pés para as lutas. Suas armas eram as flechas, as pranchetas, arcos e dardos, que usavam com grande habilidade. Usavam também as clavas e machados de mão; as armas eram enfeitadas com bonitas plumas. Eles não se utilizavam das armas de fogo, passaram a usar em razão da Guerra dos Bárbaros. Das Habitações dos Tapuias - Eram nômades, paravam onde houvesse abundância de alimentos. Gostavam de viver ao ar livre. Por isso não construíam casa, levantavam alguns ramos para servir de abrigo. Eram gulosos, as reservas alimentares dentro da área duravam somente dois ou três dias. Quando partem para outros sítios tocam fogo no acampamento. O rei era quem programava as atividades do dia e da noite. Antes de partirem, banhavam-se no rio, para espantar a moleza. Quando mudavam de acampamento, os mais fortes carregavam dois troncos de árvores. As mulheres e os meninos conduziam as armas, as bagagens e os trastes. Chegados ao local do novo acampamento, iam cortar árvores, e usavam os galhos e ramagens para fazerem sombra. As habitações dos tapuias eram toscas e feias. Caça, Pesca e Agricultura dos Tapuias- -Os tapuias levavam uma vida descuidosa. Não semeavam, não plantavam, nem se esforçavam por coisa alguma. Alimentavam-se com mel de abelhas e maribondos e com todas as imundícies da terra, como cobras e lagartos. Os tapuias armavam ciladas aos peixes e animais, utilizando seu admirável olfato e sua habilidade para comer. Alimentavam-se ainda de frutos agrestes, caça fresca, peixes, tudo sem temperos ou condimentos. Não semeavam outra coisa além da mandioca. Para assar a carne, eles cavavam um buraco na terra e colocavam a carne, depois enterravam pondo folhas de árvores por cima e faziam uma fogueira por cima de tudo. Para atraírem felicidade na caça e pesca, os tapuias cariris queimavam ossos de animais ou espinhas de peixes. Os Jovens caçadores presenteavam os velhos da tribo com caças e pescarias, sem sequer comer um único pedaço. Durante o período de caça e pesca, comiam uma sopa muito rala, feita com farinha de milho ou mandioca. Depois dessa temporada, estavam magros, por razão do intenso trabalho e da alimentação inadequada. A Língua dos Tapuias - A linguagem era um tanto mal entendida, pois era trêmula, e cantada, não se entendia nada. Dezenas de palavras foram usadas na linguagem dos tapuias como por exemplo; carfa, caruatá, cayú, comatyn, corpamba, corraveara, cucuraí, ditre, entre outros. As Aldeias Indígenas- Foram aldeias, que em pouco tempo foram transformadas em vilas, onde existia um chefe para governar esse vilarejo indígena, onde estabeleceu-se a forma de vida um tanto democrática entre os demais. Podemos citar alguns nomes de aldeias existentes, como: a aldeia Jacoca, Utinga, Baía da traíção, Monte Mor da preguiça, Boa Vista, Cariris, Campina Grande, Brejo, Panatis, Coremas, Aldeia dos Pegas, dos Icos pequenos, etc. Religião dos Tapuias- -A religião dos Tapuias era basicamente animista, eles adoravam as forças da natureza com o trovão, a lua, o sol, além disto, acreditavam que certos animais, como serpentes, aves e alguns mamíferos, como morcegos, praticaram sacrifícios de animais, até humanos. Os europeus aqui chegados trataram de demonizar os deuses dos Tapuias, como podemos ver na frase do cronista Morisot, "Os brasilianos só adoram o diabo, não que daí esperem um bem, mas porque o temem, e por esse motivo oferecem sacrifícios e o invocam". (30, 125). Os Tapuias também tinham como Deus principal a Constelação da Ursa Maior, para eles um inimigo dos Tapuias o intrigou com o seu Deus, este era a raposa, a causadora de sua expulsão do paraíso. Os tapuias acreditavam na imortalidade da alma desde que a pessoa não tivesse morrido de morte matada ou de picada de serpente. Os Tapuias não faziam nada sem antes consultar os feiticeiros e adivinhos. De um modo geral, a religião dos tapuias lembra um pouco as religiões da África, no tocante a influência forte dos feiticeiros na vida indígena. Os europeus viam nos rituais dos tapuias um comércio direto com os poderes do inferno, além disto os tapuias possuíam deuses também que regiam a agricultura, a pesca e a caça, os invocaram e sacrificaram a eles para obter boas colheitas, pesca e caça fartas. Os tapuias tinham uma lenda que falava no Deus da criação, que tinham dois filhos, o mais novo foi embora para a terra, o Deus pai enviou seu filho mais velho para buscar seu filho mais novo, mas este e seus filhos acabaram maltratando e matando o irmão mais velho, que depois de morto ficou na terra, entre seus parentes, por vários dias e somente depois ascendem ao céu, retornando para o seu pai. Os europeus acreditavam que o Deus em quem os tapuias falavam era o Deus de Israel, o filho mais velho Jesus Cristo e o filho mais novo seria o próprio Lúcifer ou Caim. Os franceses na costa potiguar Oficializado o descobrimento do Brasil, fato consolidado em 1500, pouco foi feito, em termos de colonização, nos primeiros anos do século XVI. Aos portugueses, naquele momento, interessava mais a exploração do Oriente, onde predominava o comércio das especiarias – produtos tão cobiçados na Europa da época. Por essas bandas, de comercializável, predominavam apenas as madeiras tintoriais que, ao que parece, não interessavam muito aos portugueses, naquele instante. À espreita, rondavam os corsários franceses que, por sua vez, não contando com uma frota marítima capaz de lhes proporcionar grandes conquistas, vão aos poucos adentrando os mares, tendo penetrado na costa potiguar, lá pelos idos de 1535; um feito que enaltecera os franceses, apesar de ter sido um fato ilegal, visto que pelo Tratado de Tordesilhas essas terras pertenciam a coroa de Portugal. A situação geográfica da região onde hoje se localiza o atual Rio Grande do Norte foi bastante favorável às incursões dos piratas e/ou corsários franceses que logo travaram grande camaradagem com os indígenas da área, tendo estabelecido o comércio e o tráfico do pau-brasil e proporcionado às mestiçagens na área dominada pelos potiguares. Também por aquela época, a coroa portuguesa instituíra o sistema de capitanias hereditárias, tendo sido concedida a área do Rio Grande ao honrado Feitor da Casa de Mina e da Índia, João de Barros. Com o objetivo de evitar maiores dispêndios na ocupação de seu quinhão, João de Barros associa-se a dois outros donatários, que haviam sido beneficiados com lotes de terras, em regiões a Oeste do Rio Grande. Impossibilitado de participar da honrosa empreitada de ocupação de sua capitania, devido suas atividades de burocrata, Barros autoriza seus dois filhos, João e Jerônimo, a partirem para a colônia e apossarem-se das terras que, de acordo com o supremo direito concedido por El Rei D. João III, lhes pertenciam. Ao adentrarem em "terras" potiguares, os arrojados colonizadores portugueses foram recepcionados a flechadas pelos nativos potiguares que, ajudados pelos traficantes franceses, resolveram impedir a posse dos filhos de João de Barros na capitania. A fácil amizade firmada entre franceses e nativos potiguares deveu-se, em boa parte, ao tipo de interesse econômico, que aqueles tinham para com a terra. Os franceses buscavam apenas o comércio, sobretudo do pau-brasil e para tanto, fazia-se necessário cultivar a amizade dos nativos potiguares, de forma a obterem a mão-de-obra e os produtos desejados, sem terem que enfrentar maiores dificuldades. Ao contrário dos franceses, que desenvolveram vivência comum com os nativos potiguares por vários anos, os portugueses pretendiam fixar-se na terra, vindo a proporcionar mudanças drásticas de costumes, hábitos e crenças, através da imposição de uma nova ordem e disciplina aos indígenas. O clima de familiaridade firmado entre franceses e potiguares foi fator preponderante para que, durante o século XVI, a área que abrangia a capitania do Rio Grande tenha sido um reduto de traficantes de madeiras tintoriais. Foi somente no final do século mencionado que os portugueses, temerosos de que os franceses viessem a consolidar a dominação da costa potiguar, decidiram-se pela ocupação definitiva da área. O empreendimento final da conquista, por parte dos portugueses, coube ao Governo Geral que, aliado a alguns colonos ricos, esperançosos de dominarem uma nova região aberta ao comércio, partiu para uma ocupação definitiva. Os objetivos iniciais da colonização do território potiguar seriam a construção de uma fortaleza militar e a edificação de uma cidade, que serviria como marcos de dominação. O domínio do território não foi tarefa fácil, pois os potiguares continuaram hostis em relação aos portugueses, mesmo não contando mais com todo o apoio dos franceses, que ao presenciarem a armada portuguesa, picaram suas amarras deixando para trás uma capitania devastada pela exploração desenfreada de suas matas. Apesar das freqüentes hostilidades dos nativos, os portugueses consolidaram o domínio definitivo da capitania, fato que se deu nos últimos dias de 1597. A Fortaleza dos Reis Magos Para oficializarem definitivamente a conquista e a colonização da Capitania do Rio Grande, os portugueses tiveram que enfrentar a presença francesa nas terras potiguares. Os franceses que já tinham sido expulsos da Paraíba, partido para o Norte e através de alianças com os indígenas potiguares estabeleceram-se na Capitania do Rio Grande, preocupando os portugueses. Estavam em jogo interesses militares e econômicos, haja visto que a Capitania do Rio Grande encontrava-se num ponto geográfico de grande valor estratégico e possuía uma importante via de acesso – o Rio Grande, Potengy – que permitiria uma melhor penetração dos colonizadores, que poderiam se estabelecer terra a dentro. Por isso, era mister para a Coroa Portuguesa apossar-se de uma vez por todas das terras potiguares, expulsando os franceses. Para pôr em prática as suas intenções quanto à Capitania do Rio Grande, a Coroa Portuguesa através das Cartas Régias de 9 de novembro de 1596 e de 15 de março de 1597, determinou a expulsão dos franceses do Rio Grande e a fundação de um povoamento naquela região, como também a construção de uma fortaleza na foz do Rio Grande, que seria responsável pela defesa do território. Fazendo valer o que estabeleciam as Cartas Régias, em dezembro de 1597, chega à foz do Rio Grande, uma expedição formada por Manuel Mascarenhas Homem, Capitão-mor de Pernambuco, Feliciano Coelho, Capitão-mor da Paraíba, Francisco de Barros Rego, Comandante de Esquadra, os irmãos mestiços Jerônimo, Jorge e Antonio de Albuquerque, os padres Lemos e Gaspar de São João Peres, da Companhia de Jesus e Frei Bernadino das Neves. Essa expedição deu início à conquista e à colonização da Capitania do Rio Grande. O acampamento da expedição, escreve Paulo Ferreira dos Santos, "ocorreu de forma tranqüila, sem maiores atropelos, apesar do trovejar de cinqüenta mosquetes franceses, protegendo a indiada numerosa que atacava, gritando raivosos, sendo repelidos pelos portugueses que chegavam" (Santos: 1994, p. 31) e Vicente Lemos relata que "dando desembarque às forças (a expedição), logo apoderou-se do porto e edificou na barra um fortim de madeira, depois de vários ataques dos índios, seguindo-se a fundação da atual fortaleza que por ter sido iniciada no dia 6 de janeiro do ano seguinte (1598) recebeu o nome de Fortaleza dos Reis Magos" (apud MEDEIROS: 1973, p. 28). Com a construção do Forte dos Reis Magos, a setecentos e cinqüenta metros da barra do Rio Grande, dá-se a oficialização da conquista portuguesa na Capitania do Rio Grande do Norte, e como escreveu Luiz da Câmara Cascudo, "o Forte dos Reis Magos foi a marca, a barreira extrema dos portugueses no norte do Brasil". (CASCUDO: 1955, p. 25). O "engenheiro" e o "arquiteto" da primeira construção de taipa e barro do Forte dos Reis Magros foi o Pe. Gaspar de Samperes. Com um tempo depois, essa construção foi substituída por uma feita em pedra, cabendo a Francisco de Frias – engenheiro-mor do Brasil – a execução da obra. Foi durante o período de construção do Forte dos Reis Magos, que surgiu um aglomerado urbano em suas proximidades, formando um arraial, que possivelmente foi habitado em sua maioria por trabalhadores da construção do Forte e, é a partir desse arraial que se deu a primeira povoação da cidade do Natal, em 1599, chamada inicialmente de Cidade dos Reis, cidade de Sant’Lago e ainda cidade do Rio Grande, para finalmente receber o nome de cidade do Natal, que era governada pelo Capitão-mor do Forte dos Reis Magos. Engenho de Ferreiro Torto e Engenho de Cunhaú Engenho de Ferreiro Torto Este engenho de cana-de-açúcar foi o segundo a ser erguido no Estado. Localizado no município de Macaíba e distante 18km de Natal, o Ferreiro Torto transformou-se em museu em 1994, após funcionar como sede do poder Executivo municipal no período de 1983 a 1989. De início, o solar (casarão) do ferreiro Torto, construído no século XVII, recebeu o nome de Engenho Potengi. Atualmente, a Prefeitura mantém um museu comunitário, com fotos históricas, cadeiras, utensílios antigos, peças utilizadas na moagem da cana, retratando a vida cultural, religiosa e econômica de Macaíba. Durante séculos, o Ferreiro Torto portou-se como um fênix, com personalidade e trajetória sólida, sendo destruído por embates e guerras, novamente, reerguido. Engenho de Cunhaú Segundo Câmara Cascudo, "o engenho Cunhaú foi construído na sesmaria dada por Jerônimo de Albuquerque em 2 de maio de 1604 aos seus filhos Antônio e Matias. Constava de 5000 braças quadradas na várzea de cunhaú e mais duas léguas em Canguaretama". O engenho Cunhaú safrejava 6000 a 7000 arrobas de açúcar, sendo exportado para Recife, tornando-se o primeiro centro industrial da Capitania. Possuía um Fortim, sob o comando do Capitão Álvaro Fragoso de Albuquerque. Até 1925 pertenceu aos Albuquerques Maranhões, foi vendido pela companhia a Baltazar Wintgens e Joris Garstman Van Werve, em 1637. Depois de algum tempo, foi revendido aos flamengos Willem Beck e Hugo Graswinckel. A CONQUISTA TERRITORIAL PORTUGUESA E A RESISTÊNCIA INDÍGENA O processo de conquista e ocupação da capitania do Rio Grande, deve ser entendido dentro do contexto político e econômico do final de século XVI. No ano de 1580, Portugal – por não ter um sucessor direto para seu trono – vai ser governado politicamente pelo rei Felipe II da Espanha, constituindo a União Ibérica, entre estes dois reinos. Será justamente neste período que a Capitania do Rio Grande passará a fazer parte do interesse expansionista de Felipe II, tendo em vista a privilegiada posição geográfica que possibilitava acesso estratégico à colônia e exploração de todas as terras da costa brasileira, especificamente da região nordestina. Mas, vale salientar que dentro deste projeto expansionista felipino, deve também ser considerada a preocupação dos portugueses com relação à ocupação francesa nesse território, domínio teve inicio décadas antes do interesse daqueles pelo Rio Grande. Dessa maneira se fazia mais que urgente a conquista desta capitania portuguesa para assegurar a própria unidade colonial ibérica. Portanto, após várias tentativas fracassadas de se apossar da capitania do Rio Grande - em razão da presença e reação dos franceses e da forte resistência indígena - em fins de 1597 chegaram à barra do Rio Grande, o Capitão-Mor de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homem e o da Paraíba, Feliciano Coelho, em uma expedição que ultimou o domínio ibérico sobre a capitania. Em 1598 deram início à construção do Forte dos Reis Magos, como marco definitivo da posse territorial ibérica. Além da Fortaleza procederam a "fundação de uma pequena povoação, em 25 de Dezembro de 1599, situada numa área elevada, três quilômetros acima do forte e a margem direita do rio, por Jerônimo de Albuquerque – comandante do Forte dos Reis –, reforçando a presença física e cultural do homem branco". (MONTEIRO, 2000, p. 32) No entanto, não seria fácil o relacionamento entre os portugueses e os nativos da costa do Rio Grande, os potiguaras. Pois os laços de alianças que existiam entre estes e os franceses eram muito fortes, devido ao sistema de escambo implantado entre eles. Tal relação econômica possibilitava que não houvesse o trabalho compulsório como imposição francesa, tal regime de trabalho facilitava muito o convívio e as relações de trocas entre os mesmos. Já no que diz respeito ao tratamento dado pelos portugueses aos índios do Rio Grande, podemos afirmar que foi bastante violento e opressivo. Vivendo estes num verdadeiro clima de guerra e tensão. Guerras estas que se davam não somente em decorrência da resistência indígena, mas, principalmente, em virtude da necessidade que a empresa colonial tinha de mão-de-obra nativa e da aquisição de novas áreas para a ocupação colonial. Esta voracidade por novas terras se fazia para que acomodassem a população que vinha de Portugal, como também para que correspondesse a ampliação de novos espaços para a exploração econômica. Visto que "o próprio objetivo mercantil da colonização ibérica era povoar para produzir mercadorias de alto valor no comércio europeu, e para isso precisava de vastas extensões de terra para que tivesse um lucrativo comércio com a produção da cana-de-açúcar". (MONTEIRO, 2002, p. 33) Outros pontos de tensão estavam por vir. Que o digam os índios tapuias do interior riograndense. No litoral a situação estava razoavelmente sob controle, mas nos sertões os tapuias estavam ressabiados, mesmo com os acordos de "paz" efetivados por Jerônimo de Albuquerque, e particularmente, pela Companhia de Jesus – que criou diversas missões na busca de impor o cristianismo como religião que deveria alimentar os índios espiritualmente, como ainda na tentativa de docilizá-los para torná-los presas fáceis de dominação pelo homem branco. A chamada Guerra dos Bárbaros seria a expressão desse ressentimento na segunda metade do século XVII. A construção do espaço e do poder nos sertões da pecuária: o espaço seridoense entre os séculos XVII e XIX Os imensos canaviais da costa das capitanias do Norte eram as bases de uma economia mercantilista que fez com que o litoral bastasse aos portugueses. Toda a terra fértil próxima ao litoral estava destinada por determinação da Coroa ao cultivo exclusivo da cana-de-açúcar. Não sobrava, dessa forma, espaço para o desenvolvimento de atividades acessórias como a pecuária que fornecia carne e força motriz aos engenhos. Daí surgiu no litoral a necessidade de separação entre a monocultura da cana e a pecuária. Assim, a pecuária precisou migrar para dentro do espaço nordestino. Foi no interior das capitanias, como a do Rio Grande que o criatório mais se desenvolveu, mesmo com resistência indígena contra os primeiros assentamentos de fazendas. No que tange ao Seridó, as primeiras tentativas de povoamento se deram com expulsão dos holandeses, pois a primeira concessão ocorreu por volta de 1676, a data do Acauã. Não ficando de fora do cenário da "Guerra dos Bárbaros", os canindés, jenipapos, sucurus, cariris e pegas foram os grupos que combateram nas ribeiras seridoenses com todo fervor. Por outro lado, o combate aos gentios não foi fácil, precisou-se minimamente organizar-se as tropas e o apoio logístico como, por exemplo, a ribeira do Acauã que teve como base militar a Casa Forte do Cuó. A persistência abnegada dos gentios fez com que as autoridades da Coroa pedissem ajuda ao Terço Paulista de Domingos Jorge Velho. Só depois de cessadas as lutas, com o extermínio e aldeamento dos indígenas, é que chegavam de maneira perene os vaqueiros e seus gados para se fixarem definitivamente no Seridó, com intuito de acostumar o gado aos pastos, construir currais e levantar ranchos de taipa nas proximidades da ribeira do Seridó, pois os rios desempenhavam um papel de suma importância para os sítios de criar gado que possibilitaram a instalação das primeiras famílias no Seridó. O escravismo foi viável nas regiões que como o Seridó se colonizaram com a pecuária. Mas, atividade acessória à monocultura da cana, a pecuária não empregou a escravidão negra na mesma proporção que aquela. As razões para isso eram o retorno financeiro da atividade criatória que era muito inferior àquela extraída da produção de açúcar e, por outro lado, a natureza da criação em campos abertos que dificultava – mas, não impossibilitava ! – a vigilância do plantel de escravos. Mesmo com o baixíssimo contingente de escravo que existia no Seridó, a média de era de um escravo por proprietário. Mesmo diante dos impasses geográficos, climáticos e políticos foi do Seridó o primeiro presidente da Província do RN, Tomás de Araújo Pereira, em 1823, esse era mais um da série de indivíduos homônimos que brotavam no meio das elites políticas dos sertões. Se era escasso a distribuição de títulos nobiliárquicos no sertão, existia uma saída, a distribuição da dignidades militares: pessoas recrutadas dentre os abastados senhores de terras eram investidos nas patentes militares das "milícias" ou "ordenanças", tropas de segunda e terceira linhas, respectivamente. Assim, quanto mais rico mais alto seria a patente. Para uma atuação local, eram convocadas as ordenanças, para se deslocar em espaços mais distantes, chamavam as milícias. Era nas vilas – e nelas, na Cadeia e Senado da Câmara (em Caicó inaugurada em 1812) - que os "homens bons" regulamentavam a vida econômica, social e política da população rural e urbana. O caráter do padroado - instituição que dava à Coroa poderes administrativos sobre a Igreja Católica - não escapou aos olhos dos seridoenses, chegando a refletir-se até no ordenamento do espaço, em especial, na criação das freguesias. Com crescimento populacional, precisava-se de mais capelas para cuidar dessas almas, mas não adiantava tanto a construção de capelas como aquela do Arraial do Queiquó (Caicó), da Fazenda Serra Negra e do Acauã, pois não existiam padres suficientes para se deslocaram da Paraíba para o Rio Grande. Daí a importância do desmembramento da freguesia do Piancó para criação da freguesia do Seridó, sob o título e inovação da Senhora Sant’Anna. Esse espaço de circunscrição religiosa logo assumiu também contornos de mapa político-administrativo, tanto foi assim que os limites da freguesia ficaram sendo aqueles da futura região Seridó. Não foi uma delimitação pacífica posto que a Paraíba diversas vezes reivindicou essa porção territorial do Seridó para seu domínio. A querela só iria terminar entre 1931 e 1934 por intermédio do Padre Brito Guerra, que deputado na Corte do Rio terá um papel decisivo na fixação dos limites do Seridó.. As Guerras dos Bárbaros ou A Guerra do Açu A princípio o denominado Sertão do Açu compreendia toda ribeira do rio com este nome e a ribeira posteriormente chamada de Seridó, recorte espacial reputado como possuidor de grandes campos frescos e salubres, onde muito gado podia ser criado. Sua colonização começou no final da década de 1670 e início de 1680. Ocupavam originalmente essa região os nativos tapuias, na sua grande maioria pertencentes à nação dos janduís. Esta porção interior da Capitania do Rio Grande foi tocada inicialmente, pela empresa colonizadora, por vaqueiros que ali fabricavam currais e viviam em relativa paz com os primitivos habitantes. Contudo, essa paz duraria muito pouco e está região seria palco das mais sangrentas batalhas e atrocidades cometidas ao longo das Guerras dos . Levantes isolados de grupos indígenas precederam o movimento que tomaria maiores dimensões e seria denominado na época como a Guerra do Açu. Mesmo sendo difícil datar o início destas revoltas e levantes, é possível que os motivos da revolta remontam dos abusos de João Fernandes Vieira, Capitão-mor da Paraíba (1655–1657), quando este prendeu os dois filhos de Canindé, tido como "rei dos janduís". As razões mais profundas podem ser encontradas na expulsão dos holandeses - fiéis aliados dos indígenas tapuias -, além do avanço da economia pastoril que promovia a ocupação das terras dos nativos, além do que, o sertão do Açu foi alvo da migração de pessoas vindas das demais províncias do Norte em fuga de um surto epidêmico de febre amarela. Diante desse panorama, os tapuias sentiram-se usurpados e resolveram reagir. Por volta de 1661, cresceu a hostilidade dos tapuias, metendo medo no novo capitão-mor da Paraíba, Matias de Albuquerque Maranhão (1661–1663), o que escreveu imediatamente para a regente D. Luísa de Gusmão, avisando que os índios bárbaros haviam se rebelado causando grande receio à população branca do sertão. Por conseguinte, em 1662, a regente ordenou que fizesse guerra contra os janduís, antes que estes se fortalecessem. Os conflitos com os tapuias se espalharam por todo sertão atingindo territórios dos atuais estados do Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba. No Rio Grande, região do Açu, os conflitos persistiram, uma vez que as nações tapuias estavam causando danos e dando cabo aos colonizadores e vaqueiros além de matar e comer o seu gado. Não controlando a rebeldia dos nativos, por volta de 1687, os edis da vila de Natal, pediam ao governador de Pernambuco, João da Cunha, ajuda para combater os tapuias que, no sertão do Açu já tinham matado cerca de cem pessoas, além de destruírem tudo o que encontravam. Em pouco tempo os tapuias fizeram-se senhores, novamente, de todo sertão ameaçando inclusive os colonos na ribeira do Ceará Mirim. Tal proximidade com a sede da Capitania colocava em perigo os moradores de Natal. Houve então a necessidade da vinda de socorro da Bahia. A solução encontrada pelo Governador Geral foi autorizar o envio de duas Companhias que partiram sob o comando do Coronel Antônio de Albuquerque Câmara. No que tange ao Seridó, na ribeira do Acauã, chega em 1687 o coronel Antônio de Albuquerque da Câmara, que ali possuía uma sesmaria, para dar combate aos gentios, usando como base militar a casa-forte do Cuó, cujos alicerces ainda podem ser encontrados em Caicó. No entanto, esta expedição resultou em um enorme fracasso, fazendo com que os moradores da Capitania do Rio Grande ficassem bastante abalados a ponto de ameaçarem "despejar a Capitania". Essa decisão dos moradores fez com que o capitão-mor do Rio Grande baixasse um edital para impedir o êxodo em massa, alertando a população dos possíveis danos que sofreriam se abandonasse a capitania. Diante do caos, o Governo Geral pediu que o paulista Domingo Jorge Velho marchasse de Pernambuco com todas as forças que conseguisse mobilizar, pois cria que suas tropas, moldada no combate ao gentio, seria capaz de vencer os rebelados, um vez que eram bem organizadas, ao contrario das tropas pernambucanas reunidas por Albuquerque Câmara e Manuel de Abreu Soares. No início de 1688, Matias da Cunha já havia escrito aos edis de São Paulo, alertando para o fato de que o Rio Grande se achava oprimido pelos bárbaros. Ele também escreveu à mesma Câmara afirmando que das fronteiras chegavam avisos de que as tropas não se atreviam a investir contra os índios nas suas aldeias, e que estes chegaram até mesmo a cercar os quartéis onde estavam Domingos Jorge Velho Antônio e Albuquerque Câmara, que pelejando quatro dias com os bárbaros, por falta de munições, tinham se retirado dos quartéis. O acampamento do sertanista situava-se na ribeira do Piranhas, fronteira com a Paraíba. Combateu no Seridó sem, no entanto, participar da última batalha da guerra cujo palco foi o Acauã. Ali ficou sob o comando das tropas, um cabo de seu terço, que "derrotou o gentio (...) e trouxeram mil e tantos prisioneiros" . Neste combate teria sido preso o cacique Canindé, que em 1692 firmou um acordo de paz com os portugueses. Segundo as informações do Capitão-mor do Rio Grande, Agostinho César de Andrade, em 1689 os bárbaros haviam se fracionado. Todavia, alguns janduís, chamados Panatis, resolveram continuar as hostilidades obstinadamente, enquanto outros negociaram as pazes. Mesmo essa iniciativa não foi suficiente para os colonos, pois uma onda de pavor se espalhou entre aqueles que acreditavam que os tapuias tivessem pedido a paz para dela se aproveitar, preparando assim, uma ofensiva final. Domingos Jorge Velho, continuou na peleja com os índios pelo menos até o final de 1689. Com efeito, em outubro, seu sargento-mor obtivera uma importante vitória sobre os bárbaros, que resulta na captura do principal janduí, Canindé. A paz não foi uma conquista imediata. Alguns fatores conspiram a favor da instabilidade: negligência para com as tropas de Matias Cardoso; o atraso no pagamento dos soldos, que foi tratado apenas em 1693, deixando os soldados em desespero por causa da situação de desamparo que os desanimava. Corria-se desta forma o risco um motim desses soldados visto que já que a fazenda da capitania não dispunha mais de recursos para investir na guerra, sendo assim, os esforços de paz corriam sérios riscos. Ainda em 1693, Matias Cardoso atacou os índios do Ceará, não alcançando muito êxito. Em 1695 estavam terminadas as atividades formais da Campanha dos paulistas. Em 1694 João de Lencasto assumiu o Governo Geral na Bahia com o interesse de solucionar a Guerra dos Bárbaros. Em carta ao Capitão-mor do Rio Grande sugeriu para por fim às guerras que se procurasse a paz acima de tudo. Na tentativa de arrefecer a rebelião dos tapuias fortaleceu-se a idéia de que era necessário o repovoamento co a ocupação perene das regiões fronteiriças. Para este feito as medidas foram tomadas. A determinação ordenava que em Açu, Jaguaribe e Piranhas se pudessem seis aldeias de índios. A importância dessa medida foi destacada por Lencastro de duas maneiras: de um lado a razão militar visto que essas aldeias amigas seriam importantes para a defesa das fronteiras; por outro lado o sistema econômico das lavouras açucareiras dependia do fluxo de animais de corte provindos desses sertões. Sendo assim, o cordão defensivo das aldeias, além do povoamento iria reconstruir a economia local e garantir a segurança. Além dessa alternativa ganhava corpo outra que considerava a idéia de se chamar o terço Paulista para intervir já que tentar fazer as pazes com os tapuias era considerado um esforço de muito risco. Portanto, estavam postas na mesa duas saídas: a paz com os índios através do povoamento, ou a guerra continuada em bases militares. A decisão tomada e aceita pelo rei em 10 de Março de 1695, foi de contratar o terço de paulistas, patrocinando-os e executando a lei de 1641 que possibilitava que esses "soldados" poderiam fazer os índios de cativos, no lucrativo comércio de escravos. Os moradores do Rio Grande, associados à açucocracia de Pernambuco eram partidários de uma solução pacífica tendo como aliado o capitão-mor Bernardo Vieira de Melo, que achava que "só por meio da paz podia haver quietação". Na visão do capitão-mor, o melhor a fazer era um presídio na Ribeira do Açu, e os cordões de aldeias para povoarem as fronteiras. Sua iniciativa era contrária àquela articulada na Bahia, indicando que o levaria a uma colisão com o terço dos paulistas. Os argumentos de Bernardo Vieira de Melo não surtiram efeitos para coroa, que já puseram em marcha a máquina de guerra paulista, comandada pelo meste-de-campo Manuel Alvares de Morais Navarro, que distribuiu patentes a ele e a todo o terço que fizeram parte deste levante. Navarro e sua gente partiram para Bahia de onde o terço saiu em direção a Paraíba. Após oito meses (10 de maio de 1699) juntaram-se a esse terço os capitães Manuel da Mata Coutinho e Manuel de Siqueira Rondon, acompanhados de setenta soldados. As tensões permaneceram até que as pazes foram sendo tecidas pouco a pouco e o trabalho de sedentarização dos índios foi sendo orquestrado pela Coroa. INTERIORIZAÇÃO DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA E A "GUERRA DOS BÁRBAROS" Durante o período colonial, as Capitanias Brasileiras tinham como base econômica a cultura da cana-de-açúcar. No Rio Grande do Norte essa base econômica se solidificou com o cultivo da cana - de- açúcar no litoral e o desenvolvimento da pecuária no Sertão, onde as terras eram impróprias para a cultura da cana. Essa atividade que de início era feita em pequena escala, passou a se expandir Sertão adentro quando ocorreu a ocupação Holandesa em Pernambuco. Tal expansão se deveu especialmente, ao fato de Pernambuco necessitar do gado tanto como força motriz para seus engenhos, como para o abastecimento alimentício, uma vez que o principal produto cultivado na referida capitania era o açúcar. Além do mais, o gado se constituía numa fonte econômica abundante, já que dele era aproveitado quase tudo, inclusive o próprio couro que era exportado para outros países e que levou ao surgimento de oficinas de beneficiamento (curtumes) em Recife. Todavia, com a expulsão dos Holandeses do Brasil muito gado ficou sem dono, vagando e espalhando-se pelo Sertão, fazendo com que logo colonos interessados em apascenta-los, ocupassem suas ribeiras. E com a colonização Portuguesa e o povoamento se acentuando cada vez mais, através da formação das cidades e vilas, ficava bastante complicado alimentar a população, visto que as terras que não estavam sendo utilizadas para o plantio de cana-de-açúcar, estavam ocupadas com a criação do gado. Para solucionar esta questão, as autoridades provinciais resolveram limitar a criação do gado, proibindo-a até dez léguas do mar e também as margens dos rios, para que estas terras pudessem ser preservadas tanto para o cultivo da cana, quanto também, para outros produtos agrícolas. Essa legislação resultou na ocupação das terras até então inexploradas, já que a atividade pecuária exigia uma maior quantidade das mesmas. Contudo, a posse da terra era controlada pelo Governador Geral que só concedia a posse mediante o "povoamento" dentro de um ano, sendo esta posse cabível quando entregue aos colonos portugueses ou vassalos do rei de Portugal. Assim, criou-se no pensamento colonial a idéia de um interior "vazio", apesar de ser habitado pelos nativos da terra que não foram tidos como seres humanos. Todavia, de início foi muito comum à convivência pacífica entre nativos e portugueses, devido principalmente ao pagamento de "resgates", por parte dos colonos. Vê-se assim, que existia um medo em demasia por parte do gentio devido ao avanço do colonizador em suas terras e vice-versa. Esses resgates eram uma espécie de "imposto da paz", que visava uma certa cordialidade entre o invasor e o invadido. A partir de então, a ocupação portuguesa no Sertão do Rio Grande do Norte se intensificou devido ao avanço das frentes pastoris, que objetivava expandir a pecuária Sertão adentro, chegando o momento que devido a esse avanço pastoril, a presença indígena se torna um empecilho à colonização, levando as autoridades coloniais a utilizarem como estratégias de desocupação destas terras, a eliminação dos nativos que resistissem aos interesses colonizadores, especialmente os homens, já que as mulheres e crianças não eram mortas, pois poderiam servir aos interesses dos colonizadores. Nesse período, nas Capitanias do Norte, habitavam os índios denominados de Tupis, que habitavam o litoral e Tapuias que habitavam o interior. Estes eram constituídos de vários grupos que possuíam especificidades entre si. Os Tarairiú era um desses grupos Tapuias habitantes do Sertão que se distinguia dos Kariri e dos Gê. Graças ao estudo de alguns cronistas, podemos conhecer como eram divididas as famílias Tapuias e onde habitavam essas várias nações. Os Tarairiú eram subdivididos em dois grupos e se diferiam entre outros aspectos, lingüístico – culturalmente dos Kariri e tinham como chefes Janduí e Cerro-Corá. Os primeiros habitavam áreas sub-litorâneas, como as margens dos rios da região Seridó e o segundo habitava nas proximidades de rios permanentes, como o Rio S. Francisco. Um dos aspectos da cultura indígena que provam as suas diversidades culturais, é a prática do endocanibalismo, ou seja, quando morria um membro da tribo, este era comido pela própria tribo, e também quando nascia um bebê morto, este era comido pela mãe, o que não acontecia com a tribo Kariri. Os Tarairiú que habitavam o Sertão da Capitania do Rio Grande dividiam-se em Jandui, Ariú, Pega, Canindé, Genipapo, Paiacú, Panati, Caratiú e Corene, os quais tiveram contato com os colonos portugueses quando a pecuária adentrou os Sertões. Esses Tapuias tinham os mesmos costumes de alguns índios do Brasil e gostavam de depilar e pintar todo o rosto e o corpo e costumavam cobrir os genitais, sendo que as mulheres usavam uma espécie de "avental" feito de folhas e os homens um cendal também de origem vegetal, além de enfeitarem o corpo com penas e outros adornos naturais. O clima do sertão impunha aos Tarairiú uma vida seminômade, já que de acordo com as estações do ano, estes mudavam seu acampamento para outros lugares que garantissem seu sustento, não tendo aldeias fixas. Assim relatos apontam que nos meses de Novembro, Dezembro e Janeiro, os Tarairiú se colocavam perto do mar, já que essa região era mais rica. Dormiam em redes ou no chão. As migrações para outras áreas eram indicadas pelos feiticeiros e anunciadas pelos reis que determinavam o local do próximo acampamento. As mulheres eram encarregadas de transportar bagagens e procurar paus e folhagens para confecção de um novo abrigo e os homens eram encarregados da caça, da pesca e da procura de mel, já que sua alimentação básica era esta, juntamente com frutos, raízes e ervas. Após as chuvas estes se deslocavam para as várzeas dos rios, onde plantavam mandioca, milho e legumes. Os Tarairiú eram guerreiros temidos até por outros indígenas devido sua força, velocidade e destreza na guerra. Além das armas européias, eles adotaram o uso de cavalos, o que causava espanto aos Portugueses. Sendo uma sociedade guerreira, a posição dos "principais", ou seja, de um grande guerreiro, era de grande prestígio, havendo cerimônias de coroação com muitos festejos. Os acordos de paz também eram feitos com a presença do guerreiro, sendo que este juntamente com os seus, se tornavam a partir do "acordo", vassalos do Rei de Portugal. Percebe-se até então, que estão explícitos os interesses coloniais para "livrar" o território da presença indígena, seja pela morte, pela fuga ou pela rendição forçada ou ainda com outras estratégias de intimação para obter escravos disponíveis a colonização. E na tentativa de expulsar os índios e de se apropriar das suas terras para desenvolver a pecuária, iniciava-se a ampliação das fronteiras econômicas em direção aos Sertões das Capitanias Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. Contudo, esse empenho colonial gerou muitos conflitos, onde até os padres seculares temiam vir até o Rio Grande, por medo dos "bárbaros" tapuias. Durante as décadas de 1670 e 80, com a distribuição de sesmarias nas ribeiras dos rios Acauã, Seridó, Açu, Apodi e Mossoró, e implantação da pecuária na capitania do Rio Grande, foi criada uma situação que de certa forma favoreceu uma convivência entre os Tapuias e vaqueiros, tanto que os conflitos eram resolvidos através de "acordos", sendo que em algumas situações, os conflitos eram resolvidos através da "força", ou seja, pela escravização indígena para a mão-de-obra. Esses conflitos foram se alastrando e fazendo com que a situação se agravasse em ambas as partes, pois a interiorização cada vez mais forte da pecuária vinda de um lado, do litoral de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande e do outro (Maranhão, Piauí e Ceará), colocava os indígenas numa situação de imobilidade diante das frentes pastoris, levando-os a se constituir numa barreira à colonização, que foi denominada de "muro do demônio". Por conseguinte, os índios "espremidos" num limite mínimo de terras, pressionadas e sem saída reagiram violentamente, levando a capitania a uma deflagração que ficou conhecida como a "Guerra dos Bárbaros". No ano de 1687, a reação Tarairiu à colonização, intensificou-se tanto que foi preciso pedir intermédio de um vereador da câmara enviado ao governador geral na Bahia, pois o levante já havia causado grande catástrofe. O governador geral Mathias da Cunha, vendo a possibilidade da retomada das terras pelos Tarairiú, ordenou que o coronel Antônio de Albuquerque da câmara assumisse a liderança de interesse dos colonizadores. Os Portugueses construíam várias casas fortes onde se instalavam, só que por serem feitas apressadamente, estas eram inseguras o que permitia constantes ataques dos nativos. Logo os colonizadores tentaram repreender os "indígenas", enviando tropas paulistas lideradas por Domingos Jorge Velho, para guerrear contra eles. Os objetivos dessa luta seriam degolar os guerreiros e escravizar suas mulheres e crianças, já que estas úteis, podendo ser inclusive vendidas para pagar os custos da guerra. Além disso, as mulheres cativas, iriam trabalhar na agricultura, enquanto as crianças seriam educadas nos moldes católicos e de acordo com os interesses dos dominadores. Nesse sentido, aos poucos eles iriam se desprendendo de suas raízes culturais. Percebe-se assim, que a guerra afetava profundamente o cotidiano dos indígenas, já que estas aconteciam em seus territórios forçando-os a migrar para o Litoral em busca da sobrevivência, o que antes faziam voluntariamente só nos períodos de seca para dela escapar. Essa nova situação levava os indígenas, como os Panati, a saquearem fazendas roubando e matando gado na tentativa desesperada de sobreviver à colonização portuguesa, fato que suscitou reações dos dominantes que logo buscaram conte-los, como comprovam as cartas enviadas pelos oficiais da Câmara de Natal ao capital-mor, solicitando desse que fizesse a distribuição desses índios já reduzidos na Aldeia do Guajiru, entre a população da Capitania para que estes passassem a reparar os danos que haviam causado aos colonos e moradores. Como se não bastasse a expropriação e a dizimação já realizada com esses índios pelos portugueses, estes ainda tinham que pagar uma conta que não lhes era sua e sim, devida pelos brancos aos mesmos. Todavia, como a lógica da colonização era além da liberação das terras para a pecuária, obter mão-de-obra necessária para o trabalho, se fazia então fundamental, desenvolver a escravidão. Daí o porque de retirar os indígenas da Aldeia com o pretexto de introduzi-los na fé católica, batizando-os e sustentando suas despesas em troca de seus serviços, pois caso permanecessem na aldeia não haveria como força-los ao trabalho, ou seja, escraviza-los. Por conseguinte, a guerra dos bárbaros só reforçou essa lógica ao atender os objetivos da colonização. Foi assim, que tanto Domingos Jorge Velho que dizimou muitos indígenas na serra do Acauã, hoje a conhecida Serra da Rajada, bem como, a tropa do Pernambuco comandada pelo capitão Afonso de Albertin, que dizimou a tribo dos Janduí na Ribeira do Açu, foram parabenizados pelos seus feitos pelo Governador geral e pelo novo governador de Pernambuco, já que seus prisioneiros foram levados para Recife como presentes para este último, sendo comercializados como escravos em praça pública para bom proveito de seus "carrascos" e ou vencedores. Com o continuar da repressão aos Tapuias e as vitórias obtidas, os oficiais da Câmara de Natal enviaram um Memorial ao Rei, no qual alegando a este as perdas de colonos e despesas realizadas para com o desenvolvimento da "guerra dos bárbaros", solicitava o reparo das mesmas com o pagamento do gado perdido e a distribuição das terras "liberadas" entre as pessoas da Capitania, além da criação de um presídio no Arraial do Açu e de um alojamento com cem índios domesticados, para a proteção dos moradores e para que estes "ajudassem" no transporte do gado para Pernambuco. É notório o interesse dos luso-brasileiros para que as perdas sofridas com a guerra, fossem logo reparadas, as terras expropriadas fossem distribuídas e ocupadas, evitando possíveis iniciativas dos Tarairiú de retoma-las. Todavia, estes bravios guerreiros, apesar das degolas, dos aprisionamentos, cativeiros e reduções em aldeamentos jesuíticos que sofreram ao longo dessa história que lhes fora imposta, resistiram por cerca de mais trinta anos sempre lutando como podiam pela posse de suas terras e na tentativa de vencer as injustas estratégias da dominação colonial. Assim, a colonização portuguesa no Rio Grande e no Brasil, se consolidou sob os moldes de uma visão cultural preconceituosa e injusta, onde o nativo passou de gentio a infiel, por não se submeter ou tentar resistir às imposições européias, fato esse, que acarretou o extermínio quase que completo dos nossos nativos. MISSÕES DE ALDEAMENTO COMO INTERMEDIADORAS DA COLONIZAÇÃO NO RIO GRANDE As Missões eram aldeamentos indígenas criados e organizados pelos missionários e geralmente eram localizadas no habitat natural do índio, ficando assim afastadas das povoações. Na verdade, eram logradouros que reuniam os índios sobreviventes da empresa de conquista. Para os missionários, as Missões eram espaços "civilizados" nos quais os índios se transformariam "homens" saindo do estado da barbárie em que se encontravam. Escravizar o indígena não era um gesto tão isento de regulamentação. Em 1565, a Mesa da Consciência e Ordem, reunia-se em Lisboa e restringia o "direito" de se cativar somente os índios aprisionados em "guerras justas" e estabelecia que seriam livres os índios que tivessem se submetido pacificamente aos agentes colonizadores. Segundo o Governador Geral Mem de Sá, as Missões deveriam ter uma organização administrativa como as outras vilas de habitação colonial, com um Meirinho (autoridade civil escolhida entre os indígenas) quel se encarregaria da vida administrativa. Este faria cumprir as ordens em todos os aspectos: trabalho, religião, etc. Tais decisões transformaram-se em leis em 1570. A partir daí os índios seriam homens livres, contanto que se mantivessem unidos à religião cristã e à colonização. Por outro lado, manteve-se o cativeiro legal dos índios aprisionados em "guerra justa". Devido ao crescimento econômico da América Portuguesa com o desenvolvimento açucareiro, foi criado em março de 1609 um órgão do Tribunal da Relação do Brasil, o qual controlaria as relações sociais, jurídicas e políticas na própria colônia. Esse órgão seria também responsável pelo cumprimento da lei que garantia a plena liberdade aos índios, proibindo qualquer tipo de escravidão indígena e obrigando os colonos ao pagamento aos índios pelos trabalhos prestados. Assim os jesuítas ficaram responsáveis pela catequese, direção temporal dos aldeamentos e administração das terras e dos serviços dos índios aos colonos. Observa-se que a lei de 1609 era fruto de constantes conflitos entre colonos, necessitados de mão-de-obra, e missionários, preocupados com a evangelização dos índios pagãos. A proibição total da escravidão indígena, gerou uma reação violenta contra a lei e contra os missionários. Dessa forma, a Coroa voltava atrás na sua decisão, em 1611, e ordenou nova lei, retornando a permissão da escravidão dos índios capturados em "guerra justa" ou resgatados de outras tribos; reafirmando também a existência dos aldeamentos. Nessa retomada de decisão, os colonos se sentiram vitoriosos, uma vez que os mesmos tinham garantido o acesso aos cativos de guerra e o trabalho dos índios aldeados. Por outro lado significou também a perda do poder dos jesuítas, pois a nova lei deixou os mesmos responsáveis apenas pela parte espiritual. No século XVII, ao aldeamentos começaram também a ser fundados nos sertões, a fim de reduzir os índios das novas áreas ocupadas. Os anos que se seguiram foram repletos de conflitos entre os colonos e missionários, por causa dos vários aprisionamentos de índios, aldeados ou não, em virtude da interiorização da colonização com a pecuária e da conseqüente disputa pelas terras. Em meio a tantos conflitos envolvendo religiosos, índios e os grandes sesmeiros, várias decisões administrativas e jurídicas foram tomadas, dessa vez, a criação do Bispado de Pernambuco por Bula do Papa Inocêncio XI, em novembro de 1676, para orientar os religiosos e intermediar nas situações conflituosas que se desenrolavam no sertão. E em março de 1681, criou-se a Junta das Missões de Pernambuco, subordinada a que existia em Lisboa e que iria promover e cuidar de todos os negócios referentes às Missões e catequese dos índios. Sendo assim, a partir de 1686, essas Missões passaram a ser regidas pelo novo "Regimento das Missões", que deu aos Padres da Companhia de Jesus o controle espiritual, político e temporal dos aldeamentos, porém garantindo o acesso dos colonos ao trabalho indígena, que deveria agora ser contratado em troca de pagamento . Percebe-se que a criação das Missões de aldeamento fez parte de uma política de aldeamento da Coroa portuguesa que assegurava os diversos interesses da colonização, como também respondiam aos objetivos religiosos dos missionários e da Igreja. Na Capitania do Rio Grande, as missões de aldeamento foram implantadas na década de 1680, iniciando-se as atividades em duas das quatro aldeias Potiguara que ainda existiam no litoral do Rio Grande. Para alcançar os objetivos pretendidos pelos missionários, as Missões deveriam ser localizadas em áreas que fossem realmente interessantes à colonização. O interesse em estabelecer aldeamentos seria mais nas áreas de atividade agrária, visto que nas outras áreas da pecuária o contingente de mão-de-obra era reduzido. No sertão era necessário fazer o "despovoamento" de índios para que se pudesse efetivar um "povoamento" colonial. Isso explica por que das cinco Missões estabelecidas no Rio Grande, apenas uma, a de Apodi, fosse localizada no sertão, e com curta duração. As quatro outras Missões de Guajiru, Guarairas, Igramació e Mipibu, localizavam-se em área litorânea. A missão de Guajiru foi um dos aldeamentos cuja presença dos jesuítas se deu desde 1679. A vinda destes jesuítas ocorreu por motivo de desavenças entre os administradores e os missionários da Companhia de Jesus, pelo qual ficou definido que nos aldeamentos os missionários tinham todo o comando. Diversas Missões foram instaladas nas aldeias potiguares, dentre elas estão: Missão de Guaraíras; Missão de Mipibu que corresponde a cidade de São José de Mipibu; Missão de Igramació que segundo escavações demonstram uma herança de missionários bem antigos com relação as demarcações de terras. Todas essas Missões, portanto, tiveram por objetivos colonizar as aldeias potiguares. Através da evangelização, estas Missões levaram muitos índios a se batizarem no cristianismo. Assim, aos poucos, estabelecia-se sua estada fixa da posse da terra, onde os índios eram levados a crerem que aqueles eram seus "aliados" e não inimigos. Após sucessivos conflitos entre os indígenas revoltosos e colonizadores, uma esperança de paz foi proposta: sugeria-se através de aldeamentos demarcados, o limite de terras com o propósito de alto sustento das tribos indígenas. Em troca das terras, os índios se viam obrigados a contribuir com a colônia, na formação e agregação de tropas responsáveis em controlar possíveis conflitos. Muitos foram os motivos para a não concretização dessa paz efetiva, em princípio a não demarcação das terras, posteriormente o deslocamento dos indígenas de seus locais de origem para outros locais, onde os mesmos não se acostumavam. As conseqüências desse último foi com a falta de estruturação, a necessidade de pequenos furtos, sobretudo de gado e roçados dos vizinhos, para alimentos da população da tribo. Um fator agravante foi que com os primeiros acordos, os índios foram armados com pólvora e chumbo para combater tribos revoltosas e isso influenciou os mesmos a encontrar um certo poder e credibilidade para revoltarem-se. Numerosas foram as tentativas de controlar essas situações contrárias a paz, mas em sua maioria foram frustradas, a não ser quando através do Conselho Ultramarino houve a necessidade de uma "guerra justa", onde só poderia ser castigadas as tribos que estivessem completamente revoltosas e sobre os indígenas que praticavam os roubos (entregues por chefes de sua tribo). Os inúmeros levantes geraram, por conseguinte vários acordos, que só beneficiaram os colonos e facilitaram a dizimação dos indígenas, onde o papel dos aldeamentos criou paliativos ao amplo caráter social, político e econômico do indígena para a colônia. Os objetivos das missões de aldeamentos estavam claramente contextualizados por interesses religiosos e políticos. Estes se concretizam na própria política de povoamento e exploração econômica que através da distribuição e demarcação de terras, busca-se não só a garantia de territórios contra invasões bárbaras, mas também a produção agrícola de diferentes culturas (os indígenas acostumados com a sua vida seminômade tradicional, são surpreendidos com o modo de produção europeu, que visava o acúmulo de produtos). Aqueles, caracterizam-se pelo domínio cultural e espiritual da Igreja católica (jesuítas) para com os indígenas, na tentativa de "domesticar" ou civilizar o selvagem através dos ensinamentos cristãos. Quando se retratam as missões, pode-se perceber que algumas vezes exigiam esforços de índios e missionários e que posteriormente adquiriu um caráter mais instável e definitivo, gerando assim, depois da sua extinção, as igrejas de tijolo e pedra que conhecemos, porém com algumas modificações na aparência. As capelas iniciais deveriam seguir o padrão estrutural das capelas coloniais, em que a capela-mor e a nave constituíam o mesmo corpo da construção, dividido por um arco-cruzeiro. Quanto ao estilo arquitetônico, as capelas dos aldeamentos do Rio Grande deveriam seguir o padrão verificado nos outros aldeamentos do Brasil colonial. Um espaço muito importante também era o terreiro central, pois era um lugar responsável pela ligação no mundo nativo e colonial, local onde se realizavam as festas. Segundo o padre Anchieta, a vida numa Missão jesuítica deveria ser rotineira e o papel do missionário era de fundamental importância para a população, pois eram os mesmos que controlavam o trabalho dos indígenas, contudo, mesmo com esse controle, muitos índios como forma de resistência à imposição, fugiam às regras e roubavam a população, os frades e até mesmo os missionários. Apesar das Missões não terem conseguido "civilizar" os índios e torná-los "verdadeiramente" cristãos, os outros objetivos foram conseguidos, como o acesso à terra e a mão-de-obra servil e outros serviços, nos quais podemos citar a utilização de guerreiros indígenas contra outros índios, para garantir o avanço das frentes de colonização e a segurança das áreas já ocupadas. Os serviços que os índios aldeados prestavam aos moradores do Rio Grande eram bastante variados, trabalhavam em canais, pescarias , entre outras funções , inclusive nas guerras. Com isso pode-se perceber que os serviços prestados pelos índios, eram de suma importância na produção econômica com destino ao comércio, como também para à segurança e organização da vida na colônia. Entretanto, os serviços conforme leis da época, deveriam ser pagos, sendo que uma parte antecipadamente e a outra ao término destes. Quando trabalhavam como "soldados" da colônia, o pagamento era feito com armas e munições, ferramentas para agricultura e tecido para confeccionarem suas roupas. Todavia, é importante ressaltar que os índios aldeados viviam inquietos , pois não conseguiam sobreviver em um território tão limitado, sem falar da proibição dos colonos quanto a pesca próximo as aldeias; por isso roubavam roças e gado das vizinhaças.Com esta inquietação, e constantes conflitos, começam os pedidos para que fossem sujeitados todos os tapuias, no entanto, apesar de ter sido remetidos alguns bandos para Pernambuco; o rei ordenou em junho de 1715, que sejam cancelados os bandos; os oficiais da câmara percebem que traria prejuízo tanto aos moradores como a capitania. Por fim percebe-se nitidamente a dependência dos moradores do Rio Grande do trabalho escravo indígena, que se completava pelo trabalho dos índios aldeados; onde as Missões deixariam de ser mero abrigo de sobreviventes para o de trabalhadores "unidos" aos escravos índios, sustentáculo da capitania. A invasão holandesa no Rio Grande Os holandeses mantiveram os primeiros contatos com a capitania do Rio Grande em junho de 1625 (CASCUDO: 1955), quando chegaram à Baía da Traição, transportados por uma imensa esquadra, comandada por Edam Boudewinj Hendrikszoon, que não chegara a tempo para defender o domínio de Salvador, na Bahia. Na ocasião, muitos dos marujos flamengos encontravam-se doentes, razão pela qual o comandante da esquadra procurou guarida para os mesmos, em terra firme, lá mesmo, na Baía da Traição. Não encontrou um bom tratamento para os enfermos, pois deparou-se com muitos índios assustados com os visitantes, mas, não obstante, conseguiu observar as terras e principalmente a adesão de vários índios potiguares, que viajaram para a Holanda, de onde regressaram alguns anos ulteriores, possuídos pela cultura holandesa, tanto no que diz respeito ao idioma, ao credo e mormente ao ideário, para servir de peça chave quando do domínio holandês no Rio Grande, haja vista a facilidade com que conseguiram a adesão da indiaria potiguar aos fitos dos invasores. A invasão do Rio Grande deu-se muito mais pela sua localização geográfica, servindo assim de ponto estratégico para o fortalecimento do domínio holandês no Brasil, e pela sua potencialidade no tocante ao fornecimento de provisão, sobretudo carne bovina aos moradores de Pernambuco, que pela sua produção açucareira ou até mesmo potencialidade nesta atividade econômica ou em outras atividades como a aurífera que também as interessava. A estratégia usada para a invasão consistiu em, primeiro, obter informações sobre o poder de força lusa na capitania e, segundo, fazer o reconhecimento do litoral potiguar e buscar articulações com a indiaria. Isso se deu inicialmente em outubro de 1631, com o envio de uma grande expedição ao Rio Grande, que terminou por não lograr êxito no tocante à invasão em si, em razão da brava reação do então capitão-mor Cipriano Pita Porto Carreiro. Uma outra expedição foi enviada em 1633 comandada pelos chefes militares Jan Corlisz Lichthardt e Baltazar Bijma, acompanhados de Mathijs van Keulen e Servaes Carpenter. Esta expedição aportou em Ponta Negra, três dias depois de sua partida de Pernambuco, na manhã de 08 de dezembro do mesmo ano, e ajudadas pelos índios, as tropas holandesas viajara à Holanda em 1625 avançaram sobre a Capitania, sem encontrar resistência, chegando em Natal no período vespertino do mesmo dia, quando imediatamente partiram rumo ao Forte dos Santos Reis, para combaterem as fracas forças portuguesas. Três dias de combates foi o bastante para que as forças portuguesas capitulassem, embora sob o protesto do capitão-mor do Forte, Pero Mendes Gouveia, que se encontrava gravemente ferido. No mesmo dia da rendição, os holandeses assumiram o controle do Forte, tendo como comandante o capitão Joris Gastman, mudaram o nome da fortaleza para Castelo de Keulen, assim como o de Natal para Nova Amsterdã e começaram uma fase de domínio absoluto que ficou caracterizado pelo abandono, violência e rapinagem sobre os povoados então existentes. Com a assunção do poder, os holandeses trataram de seguir as normas administrativas definidas em um regimento preparado pela Companhia das Índias Ocidentais antes mesmo da invasão a Pernambuco e, posteriormente, um outro trazido pelo Conde João Maurício de Nassau. Segundo estes documentos, os habitantes potiguares que aceitassem passivamente a dominação flamenga ficariam sãos de massacres e da destruição de seus bens. Quanto aos portugueses, o documento estabelecia que deveriam manter seus engenhos de cana-de-açúcar, e para tanto concedia-lhes liberdade de comércio desde que utilizassem seus navios para transportar os produtos comercializados. Os que não se sujeitassem a essa condição seriam obrigados a deixar o País e os seus bens eram confiscados. Os holandeses, todavia, sempre dispensaram um tratamento especial aos índios, a quem chamavam de brasileiros. Os índios se configuravam como fortes aliados nas lutas contra os portugueses, que sempre tentaram escravizá-los. Eles, os índios, chegavam de certa forma a ser paparicados pelos holandeses, na medida em que evitavam continuamente constrangê-los ou escravizá-los em trabalhos forçados e, ao contrário, procuravam educá-los e catequizá-los segundo sua cultura e sua religião cristã reformada. No que se refere à organização administrativa, os holandeses procuraram introduzir uma administração governativa igual à da metrópole e criaram as Câmaras de Escabinos ou Juntas de Justiças e as Freguesias ou Comunas, as quais contavam com três membros, sempre presididas pelo Esculteto, que sempre era representado por um holandês. Aos índios também fora imposta essa forma governativa. Durante esse domínio holandês (1633-1654) aconteceram massacres sanguinários em Ferreiro Torto, Cunhaú, Uruaçu, Extremoz e Guaraíras, quase sempre praticados pelos índios aliados aos novos invasores. A propósito, esse domínio holandês sobre boa parte do Nordeste do Brasil, começou a dar sinais de fragilidade em 1638, quando da tentativa fracassada da conquista da Bahia, porém a sua longevidade deu-se muito mais por entendimentos políticos entre Portugal e Holanda que por superioridade das tropas flamengas sobre as portuguesas. A prova indelével disso é que quando o mestre de campo Luís Barbalho Bezerra partiu, em 1639, de Touros rumo à Bahia conseguiu seguidas vitórias sobre os holandeses, chegando, inclusive, a prender o comandante do Castelo de Keulen - Joris Gastman. Primeiros contatos dos holandeses no Rio Grande do Norte Por volta da primeira quinzena de junho de 1625, ancora na Baia da Traição a esquadra de Edam Boudewinj Hendrikszoon que vinha na frota de auxílio aos holandeses, na cidade de Salvador, mas atrasara-se devido uma epidemia de escorbuto em sua tripulação. Após atracar em terras potiguares, o almirante flamengo procurou alojar os enfermos e enquanto contactava com índios, mandou o Cap. Uzeel Johannes de Laet e uma patrulha composta de soldados e índios fazer um reconhecimento, o mesmo localizou um engenho onde encontrava-se armazenada uma certa quantidade de açúcar e a criação de grandes rebanhos bovinos, retornando cinco dias após sua saída, trazendo muitos limões para os doentes. Retornaram à Holanda em 1º de agosto do mesmo, levando consigo vários índios potiguares, que voltariam falando holandês e conhecedores da bíblia reformada. Em 1630 Adriano Verdonck vem com missão de espionagem, recolhendo dados nas terras do Rio Grande, em peregrinação por Cunhaú, Mipibú, Cajupiranga, chegando até Natal, conhecendo o Forte dos Reis Magos, onde faz um levantamento nos mínimos detalhes da referida fortaleza e de artilharia. De posse desses dados, ele tentou vendê-las por dez mil cruzados, sendo capturado pelos holandeses, torturado várias vezes, morrendo em fevereiro de 1631. Em outubro desse mesmo ano, chega ao Conselho Político do Brasil Holandês, um nativo conhecido por Marcial, fugitivo dos Portugueses, que vem em nome das tribos Carirís, Janduís e Oquenuçu, oferecer aliança com os holandeses. Estes enviaram o Cap. Elbert Smient, com duas naus, sob a direção de Joost Closter, com eles vieram Marcial e alguns índios que foram em 1625 para a Holanda, além do Judeu Samuel Cochin, homem importante para o Conselho holandês, aportaram 21 léguas ao norte do rio Potengi, num local de nome Ubrantuba, onde desceram Marcial, André Tacou, Araroba e Francisco Matauwe, que iriam reunir os nativos e promover a aliança. No dia 10 de novembro, atraídos por uma fogueira, atacaram e mataram o português João Pereira, libertando prisioneiros indígenas que seriam vendidos no Rio Grande. Com o português, eles encontraram dados importantes que mais tarde foram usados para conquistar o Ceará. Elbert Smient voltou a Recife e Joost Closter continuou a missão, costeando o litoral, sendo este atacado por portugueses no litoral cearense, vencido e fugido para as Antilhas, amedrontado, onde foi a conselho de guerra e expulso do serviço da companhia. Com base nas informações do Cap. Elbert Smiente, partiu de Recife no dia 21 de setembro de 1631 com 14 navios, trazendo dez companhias de soldados veteranos sob o cuidado do Tc Hartman Godefrid Van Steyn – Callefels, onde assumiram a direção suprema, os Conselheiros Servaes Carpenter e Van der Haghen, com o intuito de desembarcarem em Ponta Negra, a três léguas de Natal e marcharem sobre a cidade. Servaes Carpenter e alguns oficiais partiram em três Chalupas e chegaram tão perto do Forte que viam perfeitamente os soldados. O Cap-Mor Cipriano Pita Porto Carreiro abriu fogo de canhão contra as chalupas, fazendo-os desistir do assalto ao Forte e as tropas terrestres, após atravessarem o areial até Natal e saquearem Genipabú, sentiram-se esgotadas da marcha e desistiram da investida por terra do Forte, ancorando em Recife a 09 de Janeiro de 1632. No início de Dezembro de 1633, sai de Recife uma expedição de conquista, composta de 11 navios, 808 soldados, víveres e munições para nove semanas; com eles vieram um dos diretores da Companhia Mathijs Van Kenlen, o Conselheiro Servaes Carpenter e os chefes militares Jan Cortisz Lichthardt e Baltazar Bilma (TC); desembarcaram em Ponta Negra, na manhã de 08/12/1633 e, ao entardecer, invadiram a cidade, provocando pavor nos moradores. Ao anoitecer acamparam junto às dunas, próximo ao Forte. O Cap. Mor Pero Mendes Gouveia com seus 86 soldados abriram fogo contra a horda de holandeses, a princípio com uma tropa entrincheirada nas dunas próximas ao Forte, recuando para dentro da Fortaleza, por acreditar que teria melhores chances de defesa. Ao recuar para o interior da Fortaleza, os holandeses apossaram-se das dunas, de onde fizeram seus canhões e granadeiros, bombardeando sem trégua, durante cerca de quatro dias. Na manhã de 12/12/1633, foi erguida a bandeira branca em sinal de rendição. O Cap. Mor Gouveia estava muito ferido, não participando das negociações, sendo estas feitas pelo Sgt. Pinheiro Coelho, Simão Pita Ortigueira e Domingos Fernandes Calabar, ambos presos de justiça. O Cap. Mor Pero Mendes de Gouveia recebeu homenagem militar dos holandeses e foi medicado por Nicolaes, cirurgião da expedição, morrendo em Goiana ou Itamaracá, entre 1646 e 1647, onde morava. A tomada do Forte A 5 de dezembro de 1633, zarpava de Recife uma esquadra comandada pelo Almirante Jean Cornelissen Liichthord, com o objetivo de conquistar o Forte dos Reis Magos. Esta esquadra era composta de 4 navios e 7 iates. Neles embarcavam 808 homens. O tenente-coronel Baltasar Bima, comandava as operações militares. Também fazia parte desta expedição, o conselheiro Carpentier e Matais Vau Keulen, um dos diretores da Companhia das Índias Ocidentais. No dia 8 de dezembro, dá-se o desembarque em uma praia estreita, cercada de altas barreiras (até hoje não se sabe ao certo se era Ponta Negra). Daí separam-se as tropas, seguindo uma pelo mar, outra por terra, atravessando as dunas até chegar em Natal. Os Holandeses construíram seus acampamentos nas proximidades do Forte, de forma que ficariam protegidos do ataque dos que lá estavam, por uma duna quase tão alta quanto o Forte. Diante da recusa do Comandante do Forte, Pero Mendes Gouveia, em ceder ao pedido dos holandeses, que queriam tomar o Forte, o combate se inicia em 8 de dezembro. No dia 10, o comandante do Forte é gravemente ferido. No dia 12, surge uma bandeira branca sobre as muralhas da Fortaleza, pedindo paz, a luta era de total incompatibilidade, 808 flamengos contra 85 portugueses. Ao ver a bandeira branca, o tenente-coronel Baltasar envia uma mensagem ao comandante do Forte, pedindo que ele se rendesse imediatamente; este, no entanto, negou-se e afirmou não ter sido dele a idéia de pedir paz. Dentro do Forte havia pessoas estranhas e estes haviam colocado a bandeira pedindo a paz, entre as pessoas estavam um foragido, um condenado à morte e outro que havia vindo na expedição. O coronel Baltasar recebe uma carta de rendição e a recusa por não ter a assinatura do comandante, mas o Sargento Sebastião Pinheiro Coelho, que era o foragido que estava refugiado no Forte, afirma ter assumido o comando, uma vez que Pero Mendes encontrava-se enfermo e incapaz de tomar alguma decisão. As negociações são feitas, os holandeses atendem a algumas reivindicações dos derrotados e ,no forte, é hasteada a bandeira dos flamengos, substituindo a bandeira portuguesa. Isso aconteceu em 12 de dezembro de 1633, iniciando-se assim o domínio holandês no Rio Grande do Norte, seguindo-se até 1654. Após tomarem o Forte, os holandeses se mostraram solidários com os derrotados, prestaram socorro ao comandante Pero Mendes e o enviaram para Recife. Há historiadores que consideram a tomada do Forte como sendo possibilitada por uma traição, visto as negociações terem sido feitas com um preso e outro condenado à morte. Outros consideram realmente rendição. Em homenagem ao diretor da Companhia das Índias Ocidentais, os holandeses trocaram o nome de Fortaleza dos Reis Magos por Castelo de Keulen. Durante o domínio holandês o nosso Estado foi governado por 3 capitães: Joris Garstman Bijles, Johans Blaenbeeck, Jan Denniger e um major: Bayert, todos eles flamengos. A atuação do domínio holandês, limitou-se às regiões do litoral e do agreste. Os Holandeses e os Tapuias Interessados em assegurar o seu controle sobre a Capitania do Rio Grande, os holandeses cedo firmaram alianças com os povos ditos Tapuias, com a "urgência de encontrar aliados, em número e força, para a manutenção do [ seu ] domínio" (PUNTONI, 1998, p. 38). Segundo CASCUDO, em 1631, dirigiu-se ao Conselho Político do Brasil Holandês o índio "Marcial ou Marciliano, fugitivo dos acampamentos portugueses, informando que seus companheiros [ os "reis" Janduí e Oquenaçu, Tapuias da Nação Tarairiú ] estavam desejosos de uma aliança com os invasores" (1984, p. 61). Durante o período da Dominação Holandesa no Nordeste (1630-1654), a política da Companhia das Índias Ocidentais será a de relações amigáveis com os Tapuias, visando à sua participação no processo de colonização. O próprio Conde de Nassau "reconhecia a importância de manter tais aliados [ pois da ] amizade dos índios dependia em parte o sossego e a conservação da colônia do Brasil" (citado por PUNTONI, obra citada, p. 39). A aliança dos flamengos com os indígenas do interior da Capitania do Rio Grande foi relativamente pacífica, pois, ao contrário dos portugueses, os holandeses concederam aos Tapuias uma aparente liberdade e a não-escravização, além de manterem relações bastante íntimas. A pedido do Conde Maurício de Nassau, o judeu alemão Jacob Rabbi foi ao interior da Capitania do Rio Grande e passou quatro anos junto aos Tapuias Janduís, chefiados pelo "rei" de mesmo nome. Além de servir de intérprete dos Janduís para os holandeses, sua permanência entre os índios fortificava os laços de aliança política. Jacob Rabbi assimilou e adotou muitos dos costumes dos indígenas e, através dessa sua adaptação, tornou-se um verdadeiro líder, fazendo com que os Tarairiús tornassem-se "uma espécie de matilha fiel, sempre pronta ao aceno do caçador para perseguir e despedaçar a caça levantada" (CASCUDO, 1992, p. 50). Rabbi foi autor de uma crônica relatando a vida e os costumes dos Tapuias, a qual foi oferecida ao Conde Maurício de Nassau. Através dessa crônica muitos aspectos etnográficos dos Tapuias são hoje conhecidos, pois foi utilizada por outros autores holandeses, em seus relatos. Além de Rabbi, outro holandês viveu entre os súditos do "rei" Janduís. Trata-se de Roulox Baro, que visitou o chamado "País dos Tapuias" (PUNTONI, obra citada, p. 40), no final da primeira metade do século XVII. O relato essa viagem acha-se incluído no livro História das Últimas Lutas no Brasil entre Holandeses e Portugueses e Relação da Viagem ao País dos Tapuias (1647), de Pierre Moreau e Roulox Baro, respectivamente. Escreveram, ainda, sobre os Tapuias: Joannes de Laet, com a História ou Anais dos Feitos da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais, desde o seu começo até o fim do ano de 1636 (1647); George Marcgrave, com a História Natural do Brasil (1648); Guilherme Piso, com a História Natural e Médica da Índia Ocidental (1658); Joan Nieuhof, com Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil (1682); Elias Herckman, com Descrição Geral da Capitania da Paraíba (1639) e Zacharias Wagner, com Zoobiblion. Por meio desses relatos podemos ter uma idéia – embora, na visão dos europeus - do modo de vida, costumes e hábitos dos Tapuias que habitavam o Sertão do Rio Grande, informações essas que foram compiladas por Olavo de MEDEIROS FILHO (1984 e 1998) em duas obras sobre o passado potiguar, Índios do Açu e Seridó e Os Holandeses na Capitania do Rio Grande. Os Massacres Massacre no Ferreiro Torto Tantos massacres se sucederam por aqui, nas denominadas terras do Rio Grande, que fica difícil não nos constrangermos com tantas barbaridades. Esses atos de violência e enorme crueldade que caracterizaram o domínio holandês, aqui nessas terras, começou pelo ataque aos moradores do engenho Ferreiro Torto. A expedição desembarcou no local conhecido por " Passagem do Potigi" . Depois de terem matado algumas pessoas neste local, seguiram adiante por terra, para o já citado engenho. Hélio Galvão assegura que os " atacantes fugiram e o major Cloppenburch prosseguiu, andando mais três léguas, desde aquele ponto em que ele com os outros companheiros desembarcara. Um trecho pantanoso do caminho, já sendo tarde, impediu que atingissem o engenho, pelo que decidiram regressar à fortaleza" . ( GALVÃO: 1979, p. 83). Ao mesmo tempo corria o boato que forças portuguesas estariam a caminho, vindas da Paraíba, para ajudar os que alí se encontravam. Mas os holandeses não admitiam que se organizassem focos de resistência à sua autoridade. "Convocaram, então, o cacique Janduí, inimigo mortal dos portugueses. Na luta que se travou em ferreiro torto, morreram Francisco Coelho, proprietário do engenho, sua mulher, cinco filhos e sessenta pessoas que estavam lá refugiados". (CASCUDO: 1992, p. 14). O Massacre de Cunhaú O primeiro engenho construído no Rio Grande do Norte, foi palco de uma das mais trágicas páginas da nossa história. " Este engenho era a menina dos olhos dos holandeses por causa da fertilidade das suas terras" (SOUZA: 1999, p. 40). O ano era 1634, e nesse fatídico dia, sem que ninguém esperasse, pois foram enganados por Jacob Rabbi, o comandante da tropa de tapuias, potiguares e holandeses que ali chegaram com a ordem de matar todos que ali se encontravam. Esse homem indescritível, aportara por aqui para servir de intérprete entre os holandeses e os tapuias. Mas o ocorrido em Cunhaú, demonstrou que ele foi mais que um simples intérprete. Diversos historiadores nos relatam que esse engenho foi fundado pelos irmãos Antônio e Matias de Albuquerque, na sesmaria que receberam do seu pai, Jerônimo de Albuquerque. Obedecendo a um pedido de Rabbi para que comparecessem à Igreja para tratar de um certo negócio e prometendo não ferir ninguém, muitas pessoas foram à capelinha, no dia marcado. Mas a intenção de Rabbi era outra. E, quando estavam todos ali reunidos começou a matança iniciada pelos tapuias chefiados por Jererera. Foram de uma crueza e violência sem par. "O oficiante voltou-se para os algozes e lhes disse na língua deles, em que era perito, que se tocassem em sua pessoa ou nos paramentos sagrados seriam castigados. Alguns recuaram outros nem o escutaram e os abateram". (GALVÃO : 1979, p.86). "Depois deste massacre, nunca mais os holandeses tiveram paz em Cunhaú, sucessivos atos de vingança foram realizados àquele engenho pelos portugueses"( CASCUDO: 1992, p. 35). A chacina desse engenho promoveu uma tomada de consciência, por parte da população portuguesa, fazendo-a empenhar-se , com redobrado vigor, à tarefa de combater e expulsar os dominadores flamengos. O Massacre na casa forte de João Lostão Navarro Depois da matança no engenho Cunhaú, o pânico tomou conta da população daquela região. Quem não se refugiou nas fronteiras da Paraíba com o Rio Grande, dirigiu-se para a casa do sesmeiro João Lostão, situada "no desaguadouro da lagoa de papari, barra do camurupim" (CASCUDO: 1995, p. 69). Ele era sogro de Joris Garstman, primeiro governador holandês do nosso Estado. Os holandeses temiam que aquele lugar viesse a se transformar em perigoso núcleo de resistência; trataram de expulsar os pobres colonos. Eles entendiam (os holandeses), que esses colonos estavam se preparando para uma rebelião. Sendo ameaçados e intimidados várias vezes por Rabbi e sua tropa, eles argumentavam que estavam ali para se protegerem, pois temiam por suas vidas, ameaçadas pelos selvagens. Mas o temível, o insaciável Rabbi não aceitou aquele argumento. Comandou e ordenou mais uma vez o ataque, promovendo outra carnificina, que foi realizada pelos Janduís e Potiguares. "Assassinaram de quinze a dezesseis pessoas, e trouxeram preso, para a fortaleza, João Lostão Navarro" (SOUZA: 1999, p. 44). O Massacre de Uruaçu Espantados com o que aconteceu em Cunhaú e na casa de João Lostão Navarro, alguns colonos "refugiaram-se nas margens do Rio Potengi, três léguas de Natal, erguendo uma defesa murada de madeira rústica" (CASCUDO: 1955, p.83). Depois de passarem por tantos massacres, tanta carnificina, resolveram se defender erguendo essa fortaleza de madeira. E mais uma vez foram enganados. Acreditando na conversa dos holandeses que poderiam sair da fortaleza pois estavam a salvos dos tapuias, os moradores acima citados caíram mais uma vez numa cilada. E foram massacrados assombrosamente pelos brasilianos que os esperavam no lugar em que foram levados pelos holandeses. E estes os ajudaram a matá-los, arrancando os olhos a uns, tirando as línguas de outros, "cortando as partes vergonhosas e metendo-lhes nas bocas" (CALADO: 1945, p. 151-2). Trazendo o restante que tinha ficado na cerca para esse mesmo local, enganando-os também, iniciaram novo massacre, sem deixar nenhum vivo. E foi de uma barbaridade tão grande que "seus membros foram divididos em partes que não se conhecia quais eram os de cada um dos ditos mártires. No mesmo instante foram os mesmos tiranos flamengos, e brasilianos à cerca, aonde somente ficaram as pobres viúvas, e órfãos, e as acabaram de despojar de todos seus bens, deixando-as a muitas nuas e com outros opróbrios, que passo em silêncio"(CALADO: 1945, p.151– 2). A morte de Jacob Rabbi Não podemos terminar a descrição destes massacres, sem darmos uma notícia sobre o final da vida do seu principal mentor: Jacob Rabbi. Ele, que colecionou tantas mortes na terra Potiguar, morreu assassinado por dois soldados, na madrugada de 5 de abril de 1646, a mando do comandante Joris Garstman, que desta maneira, vingara a morte de João Lostão Navarro ( SOUZA: 1999, p. 47). O Processo de Beatificação dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu Os católicos brasileiros, desde muito tempo, sentem o desejo de possuírem os seus próprios santos. Apesar dos sincretismos históricos e do atual avanço dos evangélicos; o Brasil ainda é a maior nação católica do mundo. Esse desejo de possuir os seus próprios santos, não poderia estar de modo algum ausente no Nordeste do Brasil, devido a sua religiosidade católica–romana, herdada de Portugal. Sendo assim, no Nordeste não faltam possíveis santos, exemplo disso é o caso norte-rio-grandense, dos mártires dos engenhos de Cunhaú e Uruaçu, respectivamente localizados onde hoje ficam os municípios de Canguaretama e São Gonçalo do Amarante. Os massacres que produziram os mártires, ocorreram em 16 de julho de 1645, no engenho de Cunhaú, e em 03 de outubro de 1645, em Uruaçu. Os assassinos eram índios (tapuias e potiguares) e holandeses chefiados pelo mercenário alemão Jacob Rabbi. Os massacres ocorreram devido a suspeita, por parte dos holandeses, de uma conspiração portuguesa contra o domínio holandês. Morreram cerca de 180 pessoas ao todo, mas apenas se sabem informações sobre 30 deles, motivo pelo qual são os únicos arrolados nos processos canônicos. Foram mortos por não abraçarem a fé reformada, pois seriam poupados se o fizessem. Os 30 mártires foram aprovados como beatos em junho de 1998, pela Comissão das causas dos Santos, depois de analisarem o parecer dos Teólogos e do Promotor da fé, e o decreto foi proclamado pelo Papa II, em 21 de dezembro de 1998; depois de muito clamor do povo norte-rio-grandense e do trabalho da Arquidiocese de Natal, na pessoa destacável do Mons. Francisco de Assis Pereira, o Postulador da Causa dos Santos. O processo dos mártires encontra-se agora rumo à canonização, que se concretizada, dará ao Brasil os seus "primeiros " santos mártires brasileiros. Para tal, precisa-se da comprovação de um milagre, já que as regras para a canonização, no caso da comprovação do martírio, ser menos exigente neste ponto. REPÚBLICA O Início da cotonicultura no Rio Grande do Norte A cotonicultura representou, nas chamadas províncias do Norte, a única cultura que concorreu de forma marcante com o açúcar, em termos de exportação para o mercado internacional. Na passagem do século XVIII à centúria seguinte, o algodão emergiu de produto consumido no âmbito restrito do setor de subsistência nordestino, à mercadoria significativamente inserida nas trocas comerciais brasileiras com o mercado internacional. O Nordeste agrário não-açucareiro será redefinido, portanto, pelo algodão. A razão dessa alavancagem agrícola e comercial processa-se ao sabor das injunções do mercado mundial. Notadamente, podemos perceber que por duas vezes sua extroversão para o mercado inglês é o contraponto de crises conjunturais ocorridas nos Estados Unidos da América: primeiro a Guerra da Independência Americana (1776-1783) e segundo a Guerra da Secessão (1860). Em ambos os casos, privada de sua principal fonte fornecedora, a Inglaterra terá de procurar outros mercados de matérias-primas para abastecer o parque têxtil britânico. Esse cenário internacional provocou a criação de outras áreas agrícolas nas províncias do Norte que não aquelas áreas voltadas para a atividade açucareira. Nesse sentido, adentrando-se pelos sertões, essa cultura ocuparia espaços antes orientados majoritariamente para a pecuária. Diferentemente dessa, porém, teria como característica inusitada para esse espaço, a produção agrícola para o mercado exterior. No primeiro surto exportador despontou o Maranhão como maior produtor de algodão do Brasil. No segundo, ocorreu a expansão dessa cultura pelos territórios sertanejos e agrestinos do Norte. Uma outra característica que se salientou de ambos os fluxos acima descritos foi a precária continuidade da produção - no sentido de sua extroversão para o mercado estrangeiro. Tal fato denunciou-se pela clara dependência do comportamento do contexto político americano: tão logo contornadas as crises estadunidenses, o algodão nordestino retraía-se, visto que o parque têxtil inglês retomava suas transações comerciais com os EUA. Tal retraimento não significou, óbvio, o desaparecimento da cotonicultura. No século XVIII, quando ocorreu a desaceleração dessa cultura para o mercado exterior, ela se redefiniu, ocupando o nicho reservado às culturas de subsistência. Mais adiante, a partir de fins do século XIX, embora nunca tivesse cessado de todo a demanda externa, o algodão passou a ser escoado para a crescente indústria têxtil brasileira. Assim, "o desenvolvimento da indústria têxtil algodoeira nacional garantiu a permanência da cotonicultura como setor agrícola de peso na economia nordestina" (TAKEYA: 1985, p.30). Conforme apontam os elementos que trabalhamos até o momento, historicamente, o espaço norte-rio-grandense fundou-se sobre duas bases: agrícola e pecuária. A peculiaridade desse espaço não proporcionou, por muito tempo, uma exploração agrícola pautada somente na monocultura açucareira de forma a definir perenemente toda a economia, seja da capitania, província ou estado. Isso se deve, em grande parte, a uma particularidade geográfica que salta aos olhos no mapa norte-rio-grandense. O espaço potiguar possui somente uma pequena faixa de terras propícias a essa atividade açucareira. A área destinada a essa cultura restringiu-se a uma pequena porção do litoral oriental, ao passo que a pecuária ocupou todo o sertão. Será nesse último que o algodão encontrará condições ecológicas, sócio-econômicas e políticas para se desenvolver. (Ver "O algodão na economia seridoense") O algodão na economia seridoense (1880-1915) Nos sertões, a agricultura desenvolveu-se à sombra das atividades pastoris, sem se salientar como excedente para trocas comerciais consideráveis. Somente com a grande seca de 1845 foi que, com a dizimação de quase todo rebanho, as culturas agrícolas nessa área adquiriram alguma visibilidade. Nesse contexto, começa a sobressair-se o cultivo do algodão e principalmente uma variedade típica do Seridó, que ocuparia um lugar de destaque na economia estadual quando o açúcar descrevia sua curva produtiva descendente a partir da década de 1880 e seria superado pelo algodão em 1905. "O algodão não seguiu a mesma trajetória que o açúcar, pois o fim da fase áurea da exportação para o mercado externo, da década de 1860, não significou sua estagnação ou retrocesso; pelo contrário, foi em anos posteriores a essa fase que se expandiu o cultivo pelo sertão norte-rio-grandense, de uma variedade de algodão característica do meio - o algodão mocó ou algodão seridoense" (TAKEYA: 1985, p. 33). Embora prioritariamente voltado para o mercado interno em favor das indústrias têxteis nacionais, o algodão norte-rio-grandense também encontrava colocação no mercado estrangeiro. O crescimento do volume desse comércio, no entanto, era contido pela baixa qualidade de sua fibra, incompatível com a padronagem dos tecidos mais elaborados, fato que o fazia pouco competitivo nos negócios de exportação. Características inferiores contribuíam para que ele se amoldasse à indústria têxtil nacional que principiava produzindo tecidos de baixa qualidade com os quais se afinavam o algodão produzido no RN. Somente o algodão "mocó", de fibra longa, poderia ocupar esse lugar de excelência no mercado exportador internacional, posto que se destinava à confecção de tecidos finos. A princípio duas variedades de algodão eram plantados no RN: o arbóreo ("mocó" ou "Seridó") e o herbáceo. O algodão "mocó" foi a variedade que melhor se adaptou aos sertões: por suas raízes profundas, era mais resistente às secas; por seu vigor, era uma variedade mais infensa às pragas e ,por outro lado, produzia até por 8 anos. Em suma, era muito mais vantajoso que o herbáceo, que tinha um ciclo vegetativo muito curto - geralmente um ano e, além disso, mais suscetível a pragas. No entanto, orientado para o mercado interno, o algodão nordestino perderia paulatinamente, a partir de meados da década de dez, sua posição hegemônica como principal matéria-prima consumida pela indústria têxtil do Sudeste. As crises de oferta da fibra nordestina estariam ligadas, por um lado, às devastadoras secas que atingiam impiedosamente as lavouras sertanejas e, por outro, a uma redefinição da produção agrícola paulista, que em 1918, com a geada que destruiu os cafezais e, posteriormente, o retraimento abissal do cultivo do café com a crise de 1929, terminaram por reorientar largos espaços agrícolas para a cotonicultura. Outras variedades, como o Sea-Island e o Upland, americanos, e o Jumel, egípcio, foram testadas no Rio Grande do Norte não sem antes despertar desconfiança naqueles que pensavam o desenvolvimento regional a partir da produção do puro algodão "mocó" ou "Seridó". Juvenal Lamartine de Faria refletindo sobre a inconveniência da importação de variedades exóticas no sertão, na Conferência algodoeira de 1915, assim se expressava: "não vejo nenhuma vantagem na importação de segmentos estrangeiros, principalmente americanas, donde poderemos importar também parasitas, ainda desconhecidos entre nós como o terrível Boll Weevil ... No nordeste brasileiro que como disse, tem que ser o centro de nossa produção algodoeira, reputo erro, substituir por uma variedade estrangeira, quase toda anual,o nosso algodão mocó - verdadeira lavoura das regiões secas" (FARIA: 1915, p. 226) As suspeitas de Juvenal Lamartine tinham fundamento se levarmos em conta a praga da lagarta rosada - "terrível polvo [que] distende seus tentáculos sobre alguns dos nossos destemidos e empreendedores agricultores" (O seridoense,24/05/1918) - que chegaria a dizimar 2/3 das lavouras nordestinas e teria sido, possivelmente, embarcada do Egito, com os lotes de sementes de algodão importadas daquele país, entre os anos de 1910 e 1913. Além de pragas e secas, o algodão foi fragilizado geneticamente pela hibridação natural entre o algodão mocó e aquelas variedades alienígenas. Enquanto deteve a reputação de algodão de primeira qualidade, o Seridó foi celebrado, seja pelos intelectuais da elite seridoense, seja em eventos fora do Nordeste. Registrou o Dicionário Geographico e Etnographico do Brasil em 1922: "O produto é de ótima qualidade. Na Exposição Nacional de 1908, o da zona do Seridó obteve o grande prêmio e o de toda a região sertaneja alcança sempre cotações superiores nos mercados internos e externos". Esta variedade "mocó" ou "Seridó" teve um dos seus mais fortes e propositivos defensores em Juvenal Lamartine. A partir dele poderemos perceber a montagem do espaço algodoeiro no discurso regionalista seridoense. A Instauração da República no RN: Centralização x Descentralização Às vésperas da República, o Rio Grande do Norte contava com três partidos políticos: o Conservador - dividido entre o "grupo da Botica" e o "grupo da Gameleira"; o Liberal - dividido entre Amaro Bezerra e José Bernardo e o Republicano, liderado por Pedro Velho e Janúncio Nóbrega. Com a proclamação da República Pedro, Velho assume o poder e faz aliança com os antigos monarquistas que, na época, faziam oposição aos Liberais na liderança do Estado. Ao compor seu ministério com uma maioria de conservadores, Pedro Velho frustrou os republicanos e ligou-se aos interesses de classe dos grandes proprietários rurais, abrindo espaço à consolidação das oligarquias. Um mês após a Proclamação da República, Adolfo Gordo foi nomeado para governar o Rio Grande do Norte, onde tentou unificar os procedimentos administrativos estaduais. Este fato não agradou aos republicanos locais, pois estes eram oligarcas e criticavam a centralização. Proclamada a República, Deodoro assume a presidência, através de um golpe. Em 1891 é realizada a primeira eleição para presidente e Deodoro, defendendo uma política centralizadora, foi eleito, derrotando Prudente de Morais e Floriano Peixoto, favoráveis à descentralização. Expressando a divisão do legislativo e a oposição a Deodoro, Floriano foi eleito para a vice-presidência. A bancada potiguar dividiu-se entre Pedro Velho, que apoiava Prudente de Morais, e Amaro Cavalcante, que apoiava Deodoro. Tendo os dois grupos a mesma origem - grandes proprietários de terras - surge no interior dessa classe social um conflito por questões antagônicas, que Janice SILVA chamou de "oposições significativas". Ambos os grupos são irredutíveis na luta pelo perfil do Estado Republicano e como não há um consenso, realiza-se a eleição para deputados estaduais e a facção pedrovelhista é afastada do poder. Entretanto, os desdobramentos da crise política nacional obrigaram Deodoro a renunciar ao cargo. Com Floriano na presidência surge uma nova situação no Rio Grande do Norte, realizam-se outras eleições e Pedro Velho é eleito para o governo do Estado, encerrando o período das oposições significativas caracterizadas por uma verdadeira ruptura. Os centralizadores defendiam a construção de um estado nacional baseado na diminuição do poder das oligarquias regionais, com uma política econômica de crédito à indústria; já a descentralização conferia maior autonomia à oligarquia no controle regional. As elites agrárias vinculadas ao capital internacional não aceitavam o centralismo político e econômico, tendo em vista grandes perdas. Do açúcar para o algodão: a mudança do eixo econômico favorece o interior do Estado A cana-de-açúcar era cultivada em torno "plantation" e o algodão dividido em pequenas e isoladas culturas. A economia açucareira no RN começa a enfrentar a crise, uma vez que o açúcar vai perdendo seu valor no mercado internacional, determinada pela concorrência nos mercados externos, carência de mão-de-obra, atraso tecnológico, etc. Com a insignificância do açúcar nordestino no mercado externo, ocorre o crescimento do algodão e também a penetração do capital industrial na economia do Estado, desenvolvendo a diversificação de atividades e o crescimento urbano. Esse processo pode ser caracterizado pela exportação de capitais e integração ao sistema econômico internacional do capitalismo e à divisão intranacional do trabalho. Inclusive, em 1910, o governador Alberto Maranhão iniciou com banqueiros franceses uma operação de empréstimo externo para a modernização da capital. A Primeira Guerra Mundial estabeleceu a hegemonia da cotonicultura na economia estadual, favorecendo o aumento das rendas públicas, procedendo do fortalecimento da máquina regional do Estado, com a profunda reorientação da política econômica do governo estadual para o algodão-pecuária (no Seridó). No mundo político surgem os efeitos dessa mudança em 1914: Ferreira Chaves, apoiado por políticos seridoenses, rompe com os Maranhão e consegue ser o primeiro político republicano eleito governador fora do esquema daquela oligarquia. No entanto, quando Ferreira Chaves tenta posteriormente se candidatar novamente (1923), José Augusto e Juvenal Lamartine reagem com apoio dos coronéis seridoenses. Com a intervenção de líderes do governo no senado e na Câmara Federal, José Augusto ganha o apoio federal e, sem oposição, vence as eleições. Ferreira Chaves entrega a chefia do partido. Definitivamente, o processo de deslocamento da hegemonia da oligarquia açucareiro-têxtil para a oligarquia algodoeiro-pecuária, foi premiado pelo afastamento de Chaves e pela ascensão de José Augusto / Lamartine. Sem atravessador, a oligarquia algodoeiro-pecuária exercia o poder representado por homens habituados à produção e ao comércio do algodão, e à discussão de suas estratégias técnicas. Da oligarquia Maranhão à política do Seridó A Formação do Estado Republicano e a ascensão dos Maranhão ao poder A Proclamação da República em 1889 traz o fim da monarquia, dando às classes dominantes locais um maior dinamismo político. Mas o primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, luta por um governo centralizador, com poderes plenos. Em 1894, com Prudente de Morais, o grupo da descentralização chega ao poder, consolidando-se nas eleições seguintes. (ver A Instauração da República no RN: Centralização x Descentralização) A descentralização contribuiu para o surgimento das primeiras oligarquias republicanas, onde grandes Estados se unem para comandar o país, e nos pequenos acontece a união entre os coronéis locais para os comandos estaduais. Até a implantação da República não existia o Partido Republicano no RN, apenas focos isolados, destacando Caicó, onde Januário da Nóbrega, acadêmico de Direito em PE e filho seridoense, tentava, sem sucesso, a implantação do partido, desde 1886. (ver O Movimento Republicano no Rio Grande do Norte - Pioneirismo Seridoense). O Partido Republicano só foi oficialmente fundado no RN no início de 1889, em Natal, com Pedro Velho, que ainda criou o jornal "A República", para divulgação partidária. Como o Partido Republicano assume o poder nacional, Pedro Velho é escolhido Governador do Estado. Mas, contrariando seus aliados logo ao escolher seu secretariado, Pedro Velho não convida aliados republicanos (deste partido chama apenas alguns familiares seus). A base de seu governo seria de políticos tradicionais, grandes latifundiários do agreste e os coronéis do Seridó. Na política federal, Pedro Velho se associa ao PRP paulista, grupo representante da descentralização, o que justifica a sua deposição por Deodoro, este representante do centralismo. Mas, com a renúncia de Deodoro e a ascensão de Floriano, Pedro Velho é reconduzido ao governo do RN. No governo seguinte, o de Campos Sales, define-se a política de descentralização, contribuindo assim para o predomínio da família Maranhão no governo do Estado, até 1914. O declínio da oligarquia Maranhão e a ascensão do "Sistema" Político do Seridó Com o objetivo de se manter no poder, em 1914, os Maranhão buscam lançar ao governo alguém de sua confiança da família, pretendendo voltar ao poder nas eleições seguintes. Os nomes apontados são contestados pelos coronéis do Seridó que, por sua vez, querem apontar outro nome. Por outro lado, José da Penha, que era potiguar de nascença e deputado pelo Ceará, indica Leônidas Hermes da Fonseca ao governo do Estado, o que não é aceito pela oligarquia do Estado e é, inclusive, contestado pelo Presidente da República Hermes da Fonseca, que era o pai de Leônidas. Joaquim Ferreira Chaves é o nome indicado pelo Seridó. Os Maranhão recorrem ao Rio de Janeiro para consultar a cúpula federal; esta, no entanto, apóia o nome de Chaves. José da Penha denuncia fraudes no governo do Estado mas, os correligionários de Chaves, José Augusto e Juvenal Lamartine, reorganizam o sistema no Seridó, impedindo que José da Penha se articule no RN. Este é obrigado a sair do Estado, pois corre risco de vida. Chaves é eleito governador do RN, rompe posteriormente com os Maranhão, tirando-lhes o monopólio do sal e da carne verde. A reforma da constituição enfraquece mais ainda os Maranhão, impedindo candidaturas de parentes até o 3º grau, criando também a vice-governadoria - que era representada pelo presidente do legislativo - e reduzindo o mandato do governador para quatro anos. Chaves torna-se o novo chefe político do RN. A ascensão de Chaves demonstra que o poder político do RN, pautado no complexo açucareiror/têxtil, começa a despencar. Ocorre que o Seridó começa a tecer sua hegemonia baseada no algodão/pecuária, hegemonia esta que contribuiu para o aumento e diversificação das atividades econômicas de exportação. A 1ª Guerra Mundial contribuiu para o preeminência da cotonicultura, fortalecendo a máquina arrecadadora do Estado. Em 1919, Chaves rompe com Tavares de Lira e Alberto Maranhão, devido o nome de Paulo Maranhão não compor a chapa de deputados do RN. Chaves impõe um nome para lhes suceder. Os Maranhão apresentam outro nome, mas são derrotados por Antônio de Souza, candidato de Chaves. Em 1923, a convenção do PRF aponta Chaves como candidato a governador do RN o que não é aceito pelos coronéis do Seridó. Nesse processo intervêm o Catete que reconhecesse as lideranças de José Augusto e Juvenal Lamartine. Assim, seguros do suporte político conseguido, lançam José Augusto ao governo, que vence as eleições. A ascensão José Augusto/Lamartine coroa a oligarquia algodoeira/pecuária. Mesmo tendo Chaves contribuindo para o desenvolvimento do Seridó, a oligarquia algodoeira passa a valorizar os intelectuais da região tornando o Seridó uma região forte e respeitada na política do nosso Estado. Antecedentes da Revolução de 30 no RN A Revolução de 1930 ocorreu num período em que o Brasil passava por mudanças políticas, sociais e econômicas decisivas para a história contemporânea do país. Tais mudanças se processavam com maior rapidez nos anos 20 e 30, quando se colocaram em questão as forças do poder da classe dominante, que se utilizavam de mecanismos antidemocráticos para se manter no poder: o voto não era secreto, atas eleitorais eram, via de regra, falsificadas, existia a proibição do voto às mulheres e analfabetos etc. O desenvolvimento do país possibilitou o surgimento de novas atividades econômicas e, conseqüentemente, a consolidação de regiões não diretamente ligadas ao café. Surgem novas forças sociais: a burguesia industrial, que aliou-se aos grupos dominantes tradicionais, interessada em conter os movimentos operários; uma pequena burguesia atenta aos seus direitos; e um movimento operário organizado, que utilizava a greve como instrumento de defesa. O surgimento dessas novas forças sociais evidenciou a inadequação da então forma de domínio político para o desenvolvimento do país. A pressão por mudanças na ordem política e sócio-econômica partia de vários grupos: dissidentes dos partidos das classes dominantes, operariado, completando-se com o movimento tenentista que agia no sentido de desalojar do poder a tradicional elite política. A oposição ao governo federal reuniu-se na Aliança Liberal. As formas de poder da classe dominante gerava uma insatisfação popular que se estendia aos governos dos Estados. No Rio Grande do Norte, ocorria a oposição entre a "política do Agreste" e a do "Seridó". Os coronéis do Seridó haviam apoiado a reação contra a oligarquia dos Maranhão e, mais tarde, apoiado a ascensão de José Augusto e de Juvenal Lamartine, que governava o RN na época da Revolução. Entretanto, os conflitos entre as facções da classe dominante acabavam em "arranjos entre vencidos e vencedores", enquanto que os conflitos entre os grupos no poder e a oposição (aliadas às classes populares) acabavam em repressão. Em 1930, o governo de Juvenal Lamartine tinha fechado os sindicatos operários e a imprensa da oposição havia sido proibida, enfim, o governo havia silenciado a oposição. Em meio a um clima de instabilidade econômica surge a questão da sucessão estadual. O nome cotado pela oposição era o desembargador Silvino Bezerra Neto, que rompera com Juvenal Lamartine, em 1929, durante a campanha presidencial. No entanto, a campanha é interrompida quando a 03/10/1930, a Revolução explode no Rio Grande do Norte. Com a Revolução os governantes estaduais são depostos pelos "tenentes". No RN começa uma disputa pelo poder onde a Aliança Liberal do Estado fica dividida em torno dos nomes Café Filho e de Silvino Bezerra Neto para o governo. Para resolver a questão é instituída uma Junta Governativa Militar que garantiu a ordem pública e consolidou a mudança de poder. Sendo, por fim, escolhido para presidente provisório do Estado o Dr. Lindolfo Câmara. Mas, como o mesmo estava ausente, foi substituído interinamente pelo Dr. Irineu Joffily que cuidou de reformar os costumes políticos, apurando e instaurando inquéritos de atos políticos ocorridos na Velha República, além de tentar reduzir as despesas e o corpo de funcionários. Joffily fundou também a Legião Revolucionária que tinha como objetivo garantir as instituições e restaurar os princípios republicanos". A Revolução em curso: a conjunção de forças Em 03 de outubro de 1930, estoura a revolução no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraíba e Pernambuco. No Nordeste os tenentes Juarez Távora, Juracy Magalhães e Jurandy Mamede mobilizam os batalhões e promovem as deposições dos governadores estaduais. A população apóia e adere ao movimento, mas não tem uma participação decisiva e organizada. Em 05 de outubro, o 29º Batalhão de Caçadores – batalhão do exército sediado na capital do RN, mas no momento destacado no interior da Paraíba - entra em Natal e depõe o governador Juvenal Lamartine, sem nenhuma resistência. No interior, os "coronéis" Dinarte Mariz – que participara desde o primeiro momento da fase "paraibana" da conspiração - pelo Seridó e Joaquim Saldanha, da região Apodi, aderem ao levante, mobilizando homens e armas. O desgaste político dos governantes da República Velha impede o apoio popular para uma possível resistência. Enquanto isso, no Estado, a Aliança Liberal se divide quanto à questão do poder: de um lado os cafeístas desejam empossar seu líder Café Filho na presidência provisória, enquanto os liberais da aliança apontavam o nome do desembargador Silvino Bezerra Neto, com o apoio dos oficiais que comandavam o levante. O impasse foi momentaneamente contornado com a instituição de uma junta militar que aguardava a chegada de Juarez Távora para definir a situação. Enquanto aguardava, a junta preocupou-se em consolidar a mudança de poder, remanejando o aparelho regional do Estado e garantindo a ordem pública. Nesse sentido, fechou a Assembléia Legislativa e as câmaras municipais, nomeou novos diretores de serviço, extinguiu mandatos de prefeitos e intendentes, indicando outros titulares para os cargos. Afastou também oficiais do Regimento policial, substituindo por outros de sua confiança, enviou circulares às prefeituras do interior, recomendando garantia à vida e à propriedade dos adversários políticos. Dinarte Mariz supervisionou a implantação dessa nova ordem na região do Seridó, ganhando respeito e gratidão das chefias ligadas à Revolução. Enquanto isso, na capital, a chefia de polícia distribuiu víveres entre os estivadores e as camadas pobres. A junta fez nomeações das diversas correntes da Aliança Liberal, o próprio Café Filho, da corrente Cafeísta, do Liberal Juarez Távora. Em 12 de outubro de 1930, chega a Natal Juarez Távora acompanhado de José Américo e Irineu Joffily. Indicam Silvino Bezerra – irmão de José Augusto, mas dissidente das lideranças seridoenses - para a presidência. Entretanto, esse recusa, alegando parentesco com José Augusto e Juvenal Lamartine. Com esta recusa, é indicado João Lindolfo Câmara. Por este ver-se impossibilitado de chegar imediatamente, foi escolhido Irineu Joffily para exercer interinamente o cargo, com o apoio da corrente cafeísta. Joffily acreditava que deveriam exercer cargos pessoas alheia às facções políticas locais, alguém "estrangeiro", pois esta seria a condição necessária para as diretrizes centralizadoras do governo republicano. Com o tempo, acrescentaria uma outra condição: que o escolhido fosse um militar recrutado entre o quadro tenentista, com isso garantiria neutralidade política do interventor. O trabalho revolucionário começava conturbado. As razões passavam pelos vícios da política oligárquica e seriam difíceis de ser removidos. As Interventorias de Irineu Joffily e Aluísio Moura Joffily, não atendendo aos desejos políticos e clientelistas das chefias locais e praticando uma diretriz política de austeridade e racionalidade em sua ação governamental, conseguiu arregimentar contra si uma forte oposição. Viraram-se contra ele os políticos liberais pró-revolução, e as chefias tradicionais. O Interventor estaria praticamente só. No início, contava com o apoio de Café Filho, que mobilizava as camadas populares, porém este terminou por dispensar tal apoio. Com relação à ocupação dos cargos políticos, a política de Joffily encontrou forte reação, pois este nomeou paraibanos para a prefeitura de cidades potiguares, como também para o seu Secretariado. Um exemplo disso foi a substituição do Secretário Geral, Nestor Lima, pelo paraibano Jorge Peregrino, e assim se sucedeu com todo cargo que vagasse. Toda essa situação despertou um forte sentimento regionalista, transformando-se em um argumento para a oposição. O orçamento de 1931 foi mais um setor de litígio, visto a inclusão de dois novos pontos em relação ao de 1930: aumento de impostos e a concentração do comércio de exportação e importação para Natal e algumas cidades do interior. A reação mais uma vez foi forte, contudo, o interventor utilizou de alguns instrumentos excepcionais que a "situação revolucionária" lhe permitia: como baixar decretos, demitir funcionários públicos, influenciar transferências de militares, etc. Entretanto, a oposição crescia e pedia o afastamento de Joffily, chegando a repercussão até a Capital Federal, onde a Imprensa o acusava de arbitrário e nepotista. O Governo Federal resistiu às pressões e insistia em mantê-lo no cargo.O caso M. F. do Monte e a queda de Joffily. O motivo que afastou Irineu Joffily da interventoria potiguar, esteve ligado à luta judicial envolvendo a interventoria e a firma M.F.Monte. A firma M.F. Monte dedicava-se à compra e venda de algodão, e mantinha um estreito relacionamento com os coronéis sertanejos. Ao assumir a interventoria Joffily tomou conhecimento de um processo existente contra a firma, do tempo do governo Lamartine, na qual ela era condenada pela Recebedoria de Renda Estadual ao pagamento de 2.400 contos, por sonegação e multa. Na época, a empresa recorreu ao Governador Lamartine, que determinou a prescrição da dívida. Joffily anulou o Decreto de Lamartine e iniciou a execução fiscal, baixando um Decreto vedando o judiciário de apreciar os atos do Poder Executivo Revolucionário. Só restou à empresa recorrer ao Governo Federal, constituindo seu advogado o Dr. João Neves da Fontoura, importante prócer da Aliança Liberal, e influente nos negócios da Nova República. O recurso obteve êxito, tendo o despacho favorável do Ministro da Justiça, Osvaldo Aranha, e do Presidente Vargas. Joffily imediatamente comunicou a Juarez Távora, Delegado Federal do Norte, sua renúncia. Távora mostrou a Aranha que discordava de seu despacho, mas este foi mantido. A renúncia de Joffily deu nova dinâmica ao jogo político no Estado; as articulações para indicar o substituto se fizeram rapidamente. A preocupação do Delegado Federal do Norte era que não fosse indicado um Interventor ligado aos políticos locais. Para isso foi indicado provisoriamente , o Tenente Aluízio Moura, colaborador do Interventor, como Comandante da Polícia Militar do Estado. A Interventoria de Aluízio Moura Aluízio Moura assumiu interinamente a interventoria potiguar, em 28 de janeiro de 1931, e a 3 de março do mesmo ano, foi oficializado como interventor. No início de sua administração, Moura conseguiu o apoio de várias correntes da política local, mesmo algumas que apresentavam contradições entre si, à exceção da facção dos "Carcomidos", grupo ligado a José Augusto, que fez oposição ao interventor. A composição política do governo Moura privilegiou a ala cafeísta e o setor vinculado aos revolucionários militares como Pedro Dias Guimarães, na Prefeitura da capital, e o tenente Ernesto Geisel, como Secretário Geral e Chefe de Polícia. No plano nacional , uma ala do movimento tenentista não se sentia contemplada no sentido de ver avançar reformas sociais e econômicas. Mesmo assim, Vargas continuava prestigiado por todos os setores da Revolução. Porém, os militares revolucionários temerosos que políticos ligados ao governo impedissem as reformas por eles pretendidas, decidiram reforçar suas posições no " Norte", sendo criada a Delegacia Federal do Norte, que isolada da influência direta do Catete, garantiria a marcha das reformas. Moura inicialmente foi fiel às idéias da Revolução, nomeando uma comissão de sindicância , para apurar os atos das administrações anteriores, também procurou o interventor aproximar-se dos setores populares. O principal caso político desse período foi a prisão de Café Filho e alguns revolucionários, sob a acusação de conspirar contra o governo do Estado. O Tenente Geisel apurou as denúncias sumariamente e julgou improcedente , exigindo do governo, reparação oficial. Este fato selou a sorte do intendente, pois se estreitou o relacionamento entre os cafeístas e os tenentes Geisel e Cordeiro, enquanto Moura cedia cada vez mais às pressões vinculadas ao antigo regime. O clima no Estado ficou tenso e chegou ao ponto de Geisel, Cordeiro e alguns cafeístas pedirem demissão, fazendo críticas contundentes ao interventor. Em seguida Moura derruba todos os cafeístas e revolucionários que ocupavam cargos de confiança e, mostrando sua ligação com representantes do antigo regime, Moura nomeia para o Secretariado pessoas ligadas às administrações anteriores.A polarização então se deu. Apoiaram Moura os chefes políticos ligados ao Partido Republicano, parcela de anticafeístas, militantes aliancistas liberais e prefeitos do interior. Porém, o advogado Bruno Pereira e o Jornalista Fontes Galvão, elementos de peso da corrente liberal, divergiram de seu grupo e denunciaram o abandono da orientação revolucionária por parte de Moura. Contudo, opuseram-se à indicação de um interventor "estrangeiro". Para permanecer no poder , Moura usou o peso da máquina estadual e também contou com o forte apoio das Associações Comerciais e Autoridades Municipais. Mas Juarez Távora e Aranha mostraram a Vargas a necessidade de substituir o interventor, que restaurou a máquina política derrotada pelo movimento de outubro. Diante das pressões de várias correntes da política potiguar, Vargas indica Hercolino Cascudo para interventor, um nome desvinculado das facções políticas locais. As violentas eleições de 14 de outubro de 1934 Aos 14 de outubro de 1934, o RN contava com cerca de 47.702 eleitores alistados para escolherem, através do voto direto, os cinco representantes da Câmara Federal e os vinte e cinco representantes da Câmara Estadual, enquanto que o governador e os senadores seriam escolhidos pelas assembléias. Concorreram às eleições o Partido Popular, tendo como cabeça de chapa Rafael Fernandes, que na época recebera críticas, através da imprensa estadual, de ser um político arbitrário e personalista. O partido era julgado como representantes da burguesia, pois apresentava uma postura tradicional com visão ruralista. Do outro lado, estava a Aliança Social (AS), formada pelo Partido Social Democrático (PSD) e pelo Partido Social Nacionalista (PSN). A aliança tinha Mário Câmara como candidato a governador e os demais componentes de chapa estava divididos entre os dois partidos. Empregavam um discurso populista e anti-oligárquico, diziam-se atentos aos interesses das massas e, portanto, verdadeiros representantes do povo. Além da Aliança Social e do Partido Popular, outras duas organizações partidárias concorreram ao pleito, apesar de não conseguirem êxito na política potiguar. Tratava-se do Partido União Operária Camponesa do Brasil, com representantes do PCB e a Ação Integralista Brasileira (AIB), no qual estava um grande nome da história do RN, o historiador Câmara Cascudo. As eleições de 1934 foram de grande repercussão. As violências sofridas pelos eleitores, principalmente aqueles que estavam ligados ao Partido Popular, não foram poucas. Mário Câmara queria ganhar as eleições a qualquer custo e a utilização de seus métodos eram comuns naquela época. Mas não podemos nos esquecer de que os populistas também não ficavam por baixo, ou seja, não aceitavam as violências passivamente, já que tinham o apoio de grande parte do Exército e também dos coronéis e seus jagunços. Durante as eleições veio para o Rio Grande do Norte o observador Neiva Júnior que ouviu falar da agitação das mesmas no Seridó. Mas a avaliação que ele fez das eleições não foram em nada parecidas com o que houve realmente e, com isso, ele desagradou aos dois partidos, o partido de Mário Câmara (Aliança Social) achou que o "Observador" havia sido manipulado pelos populistas e o Partido Popular considerou que o mesmo foi passivo às pressões policiais da interventoria. Devido às violências ocorridas no pleito de 1934, o TRE convocou eleições suplementares em 39 seções de 23 municípios, no período de 3 a 28 de fevereiro de 1935. Durante o período das eleições suplementares explodiu em Natal uma greve de uma companhia estrangeira que monopolizava os serviços de bondes, água, luz, etc. A cidade ficou praticamente paralisada, sem esses serviços, sem contar que várias outras categorias também aderiram à greve. Os operários tomaram conta das instalações da empresa, que estava sendo vigiada pela Guarda Civil que, no entanto, não desalojou os grevistas. Uma comissão é constituída para negociar um acordo com a comissão de operários. A situação agravou-se quando o comando da 7ª Região Militar determinou ao comando do 21° Batalhão dos Caçadores que pusessem fim à paralisação. Após uma semana de greve, a repressão ao movimento fez com que os grevistas suspendessem a paralisação, após algumas concessões da empresa. Outro acontecimento que chamou atenção nesta mesma época foi o assassinato do engenheiro Octávio Lamartine, filho do ex-governador Juvenal Lamartine. Ele foi morto por um volante policial sob o comando de um tenente da Força Pública. A oposição responsabilizou Mário Câmara. As eleições desse período foram concluídas em 2 de abril de 1935, dando uma vitória da Aliança Social sobre o Partido Popular. A imprensa paulista, simpática ao Partido Popular, acusou Mário Câmara de ter alterado a composição do Tribunal Eleitoral para atender a seus interesses políticos. O jornal A República tentou abrandar as acusações publicando que as alterações introduzidas na composição do Tribunal resultavam de novas orientações previstas na legislação federal. A apuração final, em outubro de 1935, daria a vitória ao Partido Popular que elegeria três representantes para a Câmara Federal e uma maioria de cadeiras na Assembléia Constituinte Estadual. Com esta maioria, o Partido Popular elegeria o governador e os senadores federais ligados ao seu partido. O início de 1935 foi marcado pelo fechamento político que liquidou paulatinamente a liberação iniciada com a eleição para a Assembléia Nacional Constituinte. As eleições anteriores confirmaram a maioria das facções fiéis à Vargas, porém em outras partes do Brasil, as apurações se arrastavam por mais alguns meses, criando dificuldades para que Vargas impusesse seus interesses. Apesar de Armando Sales ter se aliado a Vargas, Flores da Cunha representava uma ameaça, pois sua interferência irritava e incomodava o atual presidente, impedindo que o mesmo impusesse disciplina hierárquica necessária à dominação do Estado sobre a sociedade civil, já que nos quartéis os militares estavam envolvidos com outras facções políticas. Entre 1934-35, a classe operária e a classe média se uniram e organizaram uma frente popular forte (ANL), com tendências a combater as classes dominantes. No RN, a luta entre as duas facções se prolongava, havia assim divergências entre as forças do Exército e o interventor Mário Câmara, chegando a haver conflito com morte. O próprio Mário Câmara foi ameaçado. Vargas logo socorreu o interventor mandando reforços militares com ordem de expulsar da capital todos os indivíduos de fora, desordeiros ou perigosos para tranqüilizar a população. Mediante estes conflitos, vários deputados sentiram necessidade de adotar uma política contrária ao governo Vargas. O Tribunal Superior Eleitoral continuava julgando os recursos referentes às eleições potiguares que, em geral, favoreciam o Partido Popular. Somente em 26 de julho é que foi publicado o resultado final, com a vitória do PP. Logo após, iniciavam-se as greves que reivindicavam aumentos salariais. Estes conflitos chamaram a atenção do governo federal, que mandou reforços para o interventor interino. No período de 1935, o interventor Mário Câmara tentou solucionar um problema estadual que era, de resto, de todo Brasil: o alto preço do sal. Com isso, surgiu um movimento do comércio importador do Sul do país, exigindo do governo que liberasse a tarifa para a entrada do sal estrangeiro. Nessa estadia na capital, Mário Câmara tenta articular para reverter em seu favor os resultados das urnas. No entanto, o destino político do RN já se encontrava determinado pelas alianças bem sucedidas das oligarquias potiguares e governo central. A vitória era do Partido Popular. Novamente as forças do "antigo regime" se rearticulavam e conseguiam espaço no governo de Vargas. Somente uma breve, mas temerosa turbulência as acometeriam: o levante comunista de 1935. A rearticulação oligárquica pós 30 Os cafeístas no Poder Com as dificuldades crescentes para enfrentar os constitucionalistas, Vargas nomeia Bertino Dutra interventor no RN (1932-33). Dutra marca seu governo pela ruptura com a passividade e prestigia os cafeístas. Nomeia Café Filho para Chefia de Polícia e entrega a principal prefeitura do interior aos cafeístas, como também a Imprensa Oficial. Os liberais abandonam os revolucionários e vão unir-se aos derrotados em 1930, que terão como líder José Augusto e terão como projeto político a deposição de Dutra. O interventor, apoiado no aparato do Estado, passa a combater os adversários com a repressão, censura e a sindicalização oficial, uma forma de manipular as massas populares para dar sustentação ao governo. A aliança tenentismo/cafeísmo no RN no governo Dutra faz uso da legislação trabalhista tentando legitimar-se; também adota medidas preventivas quanto ao consumo e decreta o cerco dos campos para criação de gado, indo de encontro aos latifundiários. Constituintes à vista Apesar de derrotado, o movimento constitucionalista paulista ainda permanecia com os mesmo ideais, tanto em Minas quanto em São Paulo, e também em outros Estados. Assim, Getúlio Vargas percebeu que a convocação de uma constituinte era inevitável. Tal luta estava presente na Revolução de 32, e por isso resolveu fazê-la , "segundo os seus interesses e de acordo com suas regras". Além disso, vale dizer que Getúlio, apesar de ser "um político atento às mudanças econômicas e sociais do país" teve suas origens eminentemente nas oligarquias e, por isso, não pretendia ficar sob o jogo dos tenentistas que a cada dia ganhavam mais espaço dentro do governo. A constituinte serviria para desmontar esse empecilho do governo, pois seus membros teriam que disputar, pelo voto, os cargos parlamentares; e também para acabar com a insatisfação da alta patente do exército em ver os tenentes, cujo posto era hierarquicamente inferior, assumindo grandes poderes no governo. Convocada a constituinte, começa o jogo das articulações políticas em torno das eleições parlamentares, com a fundação dos partidos no Estado. De um lado estava o grupo ligado a interventoria sob a liderança de Café Filho; do outro, estava José Augusto, Dinarte Mariz e outros partidários. Após uma intensa movimentação pelo interior do Estado, recrutando lideranças municipais em apoio à chegada de José Augusto do RJ, em 12 de fevereiro de 1933, é fundado o Partido Popular do RN que aglutinava antigos membros do Partido Republicano (José Augusto) e revolucionários da Aliança Liberal (Mons. João da Mata Paiva), insatisfeitos com o prestígio dado a Café. "Segundo Dinarte Mariz, os partidários da interventoria haviam decidido não permitir a reunião de fundação do Partido Popular". A presença de um antigo colega de Dinarte na Revolução de 30, o delegado pernambucano Francisco Martins Veras, convidado a participar da fundação do partido por aquele, é quem acalma os ânimos, permitindo assim a reunião partidária. Por outro lado, a situação estava organizada no Partido Social Nacionalista, fundado no 04 de abril de 1933 e que tinha a presença de José de Calazans e Café Filho, dentre outros. Este partido aglutinou para si lideranças municipais que faziam oposição aos antigos políticos do "velho regime", sindicatos e membros regionais do Clube 3 de outubro. Surge então uma nova facção política no Estado. Após a Revolução de 1930, o tenentismo estava desarticulado devido, talvez, ao novo conceito político estabelecido por Vargas (convocação da Constituinte) e a obrigatoriedade do movimento ter que buscar junto ao povo, através de eleições, sua sustentação. Ambos os partidos defendiam propostas sociais que recebiam o apoio da Igreja , especialmente no que diz respeito ao sindicalismo livre, este, por sinal, era uma forma da Igreja ingressar no movimento operário. A campanha eleitoral para Assembléia Nacional Constitucional O RN teria direito a quatro vagas. Com isto o Partido Popular (PP) e o Partido Social Nacionalista (PSN) realizam convenções e apontam seus candidatos. Dos quatro candidatos do PP, dois haviam sido revolucionários em 30: Dr. Francisco Martins Veras e o Capitão Júlio Perouse Pontes. Perouse fez parte da Junta Militar que ocupou o poder após a queda de Lamartine. Os quatro candidatos do PSN eram ligados familiarmente a Juvino Barreto, Pedro Velho, assim como politicamente a Café Filho e Getúlio Vargas. A campanha realiza-se cheia de acusações, sendo o Jornal "A Razão" ligado ao PP censurado e fechado oito dias antes da campanha. Comerciantes de Natal e Mossoró protestam contra os impostos cobrados baseados no sistema paraibano, o que se torna em tema de campanha para o PP. José Augusto denuncia o PSN junto ao Ministro da Justiça e Aviação, que dificultava a ação política do PP no Estado. O clima é favorável à campanha do PP, que se baseia numa temática ligada à família, defesa da propriedade e do casamento indissolúvel da religião católica. O PSN tenta seguir o mesmo caminho, mas as lideranças católicas mesmo tendo representantes dentro do PSN, apóiam o PP e acusam o PSN de socialista, comunista e divorcista, o que facilitou ainda mais a vitória do PP. O PSN acusa a Legião Eleitoral Católica (LEC) de apoiar os maçons, que eram ligados ao PP. O Clube 3 de Outubro e o Correio do Povo saem em defesa do PSN, que busca apoio junto ao Cardeal Leme, esse é defensor de candidatos de qualidades intelectuais e morais, facilitando assim o apoio dos católicos do PP, que elege três dos quatro candidatos, contra um do PSN. Oitenta e oito por cento dos eleitores aptos a votarem vão às urnas, totalizando 16.907 votantes. O PP obteve 9.244 votos de legenda contra 7.078 do PSN. Duas urnas são anuladas, uma de Caicó e outra de Santana do Matos, sendo realizadas novas eleições nesses municípios, sem que houvesse modificações significativas. O 29º Batalhão de Caçadores é substituído pelo 21º. Dutra pede demissão e, com a vitória do PP, os grupos políticos remanescentes mostram novamente suas forças. Organização Sindical no RN após a Revolução de 1930 Café Filho, perseguido pelos oligarcas da República Velha, militava no movimento sindical do Estado. Mas por perseguição do governo Juvenal Lamartine, tem que se refugiar no vizinho Estado da Paraíba. Articulador da Revolução de 30 na Paraíba, na volta ao RN como a Revolução vitoriosa cria grande expectativa junto ao operariado, vez que, conforme se presumia, Café Filho iria dar amplo apoio àquela classe. Até mesmo o PCB mostrava-se confiante na volta do antigo líder da classe sindical do Estado. Porém, as coisas começam a modificar-se. Café, perseguido implacavelmente pelos conservadores oligárquicos do governo anterior, passa de "caça ao caçador". Apoiado no Decreto Federal n.º 19.770, que controlava a criação e funcionamento dos sindicatos (era preciso uma espécie de autorização para o seu funcionamento), Café Filho, real representante dos ideais de controle dos trabalhadores varguistas, impede e nega, mesmo sendo diversas vezes requerido, autorização para que outras tendências sindicais - ligados ao PCB - consigam autorização para o funcionamento dos sindicatos que não recebessem orientação cafeísta e não comungassem com a política de Getúlio Vargas. O sindicalismo norte-rio-grandense seria polarizado entre os que seguiam Café e os que apoiavam os comunistas. No entanto, somente os cafeístas adquiriram a "legalidade" para o funcionamento de seus sindicatos. Criam-se, portanto, os sindicatos independentes que funcionam basicamente na ilegalidade e que são escorados na União Geral do Trabalhadores, que dava suporte e que aglutinava os trabalhadores dos diversos ramos do Estado, com tendência comunista. Neste sentido, Mossoró, cidade eminentemente comercial e salineira, e que absorvia uma mão-de-obra que oscilava ente 5 a 8 mil trabalhadores, é palco da mais alta organização sindical do Estado, onde os trabalhadores, seguindo a orientação do PCB ampliam essa organização por diversos municípios da região Oeste. O surgimento dos sindicatos de Mossoró e outras cidades próximas decorreu do próprio movimento comunista. Portanto, o que podemos perceber é que a organização sindical que estivesse marginal ao decreto seria violentamente reprimida por Café Filho. Foi o caso do "Sindicato do Garrancho" - movimento sindical obrigado a reunir-se clandestinamente em lugares ermos, daí seu nome. A perseguição aos sindicatos comunistas acentuou-se, ao ponto da organização começar a discutir o destino a ser seguido. Começam a aparecer rumores da existência de um movimento sob a liderança de PCB nacional, que pretendia, através da força, destituir o Presidente Vargas. Decide-se então, aqui na região de Mossoró, que o PCB, independentemente da orientação regional, desse início a um movimento guerrilheiro como ação preparatória ao movimento de insurreição nacional, que amadurecia. Era o início da guerrilha no vale do Açu. (Ver A Guerrilha do Açu). A greve dos operários da estrada de ferro de Mossoró, que reivindicavam aumento de 100%, incita outras categorias, especialmente os salineiros de Mossoró e Macau, que também aderem ao movimento. Os empresários, temendo que o movimento considerado de caráter extremista ganhasse proporções maiores, atendem os pleitos apresentados. Esse seria o primeiro ato do dramático Levante Comunista de 1935. A Guerrilha do Açu Em 1935 eclode na Várzea do Açu, sob a orientação do comunista Manoel Torquato, o movimento armado que logo chama a atenção das autoridades estaduais e do governo federal. O fato é amplamente divulgado pela imprensa do país. Reprimido pela polícia, o movimento é desarticulado com a prisão dos principais mentores. No entanto, alguns dias depois, o grupo consegue fugir e reorganizar o movimento. Usando táticas de guerrilha, o grupo ensaiava a tomada do poder central pelo movimento comunista, sob a orientação de Carlos Prestes. O número de combatentes, apesar da ausência de dados oficiais, chegava a 80. Sobreviviam, com assaltos às fazendas, onde conseguiam dinheiro e animais, e promoviam a adesão dos trabalhadores à luta armada. A guerrilha comunista, aprovada numa assembléia do Partido, no primeiro momento, objetivava criar uma situação defensiva ao surgimento do movimento insurreto nacional. O movimento sindical mossoroense, criado por inspiração do PCB, ganha, cada vez mais, adeptos e consistência na região, alarmando e criando insatisfação na população e nas autoridades. Como naquela época o PCB consegue aglutinar um contigente tão relevante de trabalhadores à guerrilha? Um dos motivos apontados pela historiografia, mostra, primeiro razões incidentais como a ação do protestantismo na região. Manoel Torquato, que fora protestante, era um homem experiente, moldado pelo trabalho de evangelização, sendo, assim, um exímio conhecedor da região. Nas suas andanças tinha conseguido o respeito e o apreço da população. Além disso, a Várzea do Açu era uma região geograficamente favorável, próxima à Macau, Areia Branca (ambas portuárias) e Mossoró. Isso facilitava o fluxo de pessoas entre elas, principalmente porque esta última possuía um contigente considerável de trabalhadores. Apesar de mostrar-se como um grupo coeso, a criação do movimento guerrilheiro comunista no Açu não recebia a orientação regional do PCB. Tanto é que quando a insurreição do 21º Batalhão de Caçadores acontece em Natal, no dia 23 de novembro de 1935, o grupo de Torquato não toma conhecimento de imediato, fazendo com que Mossoró, que até então possuía um grande e organizado movimento operário, pudesse se articular com aquele levante. Após o fracasso de Natal, os comunistas são intensamente perseguidos e presos no Estado, inclusive os localizados na Várzea. Mesmo assim, os guerrilheiros da Várzea do Açu continuaram sua luta, famintos e isolados, até 1936, quando finalmente foi morto o líder comunista do Oeste, Manoel Torquato. Com a sua morte, termina enfim o movimento comunista, que causou reboliço em todo o Estado e até mesmo a inquietação do governo federal. A insurreição comunista de 1935 em Natal Na cidade de Natal, no dia 23 de novembro de 1935, o movimento comunista se faz presente através do levante do 21º BC, quando se antecipa à insurreição preparada por Carlos Prestes. O Batalhão resiste pouco, poucos soldados guardavam-no e com a participação de oficiais do próprio batalhão, além de operários estivadores e civis, o quartel é facilmente dominado, sem resistência, "em nome do capitão Luís Carlos Prestes". Gradativamente a onda revolucionária espalha-se pela cidade. O governador Rafael Fernandes, que no momento do ataque estava no Teatro Carlos Gomes, toma conhecimento do fato e refugia-se em casa de um amigo, igualmente ocorrendo com Gentil Ferreira, prefeito de Natal, que consegue refugiar-se no consulado chileno. Todas as repartições públicas foram dominadas a partir daquele momento. Isso tudo foi precedido de muita correria, fugas, combates e muitos tiros. Sem poderem resistir, os leais ao governo constitucional são dominados e muitos deles presos, viabilizando assim a constituição da junta governativa, que se autodenomina de Comitê Popular Revolucionário. Como primeira medida, a junta apresenta um decreto destituindo o governador e a Assembléia Legislativa. É publicado também o jornal revolucionário "A Liberdade". No calor dos combates surge, certamente como um herói artificialmente construído, a figura de Luiz Gonzaga. A morte deste, falecido "em combate" , é explorada pela propaganda do governo como forma, talvez, de criar no seio dos norte-rio-grandenses um símbolo de resistência ao comunismo. Conforme notícias oficiais Luiz Gonzaga era um soldado leal ao governo e morrera defendendo a sua bandeira; outros, porém, baseados em depoimentos dos que participaram do movimento dizem que o mesmo era um simples mendigo surpreendido por uma bala perdida. O governo comunista em Natal prossegue. Como forma de ampliar os seus domínios era preciso angariar recursos em dinheiro. Para isso foi determinado o arrombamento do Banco do Brasil em Natal donde se retiram importantes quantias, que posteriormente, pelo menos uma parte foi recuperada. Isso ocorreu também com o dinheiro da Fazenda Estadual. Rumo ao interior, o movimento ampliou-se e conseguiu dominar 17 cidades das 47 existentes. Constituído por colunas o movimento comunista espalha-se pelo nosso território, promovendo a tomada das prefeituras, incêndio dos cartórios, soltura dos prisioneiros da cadeia e nomeação de um novo prefeito. Requisitam o dinheiro da prefeitura e da mesa de rendas, além de destituírem o delegado e o tabelião público. Em direção ao Seridó, os rebeldes tomam Santa Cruz, única cidade do Estado que aclama e aplaude o movimento. A partir dali, o movimento dirige-se a Currais Novos. No entanto, encontram resistência, especificamente na Serra do Doutor, através de um grupo armado sob a liderança de Dinarte Mariz, que consegue desmontar os rebeldes, que saem em fuga. Apesar de questionarmos a participação concreta de Dinarte Mariz no combate da Serra do Doutor, o que podemos perceber é que a região do Seridó, a partir de notícias acerca do que acontecia em Natal, organizou-se e conseguiu esfacelar o movimento comunista no Trairí, influenciando decisivamente a derrota dos rebeldes em nosso Estado. Como vimos, apesar de ter deixado marcas profundas no seio do RN, numa perspectiva de proposta administrativa a partir da classe operária. O movimento comunista, a partir de Natal, não conseguiu obter êxito diante da falta de articulação entre as colunas do interior e, principalmente, tendo em vista as notícias vindas dos Estados vizinhos de que tropas policiais se dirigiam com destino ao nosso território. Todo o movimento no Estado durou apenas três dias. OS CAICOENSES MORTOS PELA REPRESSÃO POLÍTICA Das terras do sertão do Seridó saíram dois homens que se empenharam numa luta em prol da liberdade do povo brasileiro. Dois seres humanos que sacrificaram suas vidas, deixaram a família e dedicaram-se à causa da democracia. Mas não a democracia que os presidentes militares fingiam existir no Brasil, camuflada pelo autoritarismo, pela repressão e pelo abuso do poder. E sim, uma democracia com liberdade para pensar e falar da maneira que quiser, sem pedir permissão, sem o terror de que em poucos instantes depois possa estar atrás das grades ou mortos. Uma democracia onde fosse possível escolher nossos representantes legais, os quais nos apresentassem como melhores. Estes dois homens, Hiram Pereira e Gerardo Magela, são exemplos de luta, foram assassinados por uma ditadura que, comparada a um “rolo compressor”, saía esmagando todos aqueles indivíduos não submissos. Fazendo-os aceitar uma ordem imposta pela força das armas, beneficiadora de uma elite minoritária, a qual via seu poderio ameaçado pela conscientização das classes populares desejosas por mudanças no sistema político nacional. O pior que a ditadura fez foi inverter os papéis, ou seja, acusar de subversivas as pessoas que queriam derrubar esta ditadura, afirmando isto com todo o fervor e equivocando os brasileiros. Afirmava-se que os subversivos não gostavam do Brasil, mas pelo contrário, estavam tentando salvá-lo. Um exemplo dessas distorções remete-nos a população de Caicó, que não conseguiu resgatar a memória de Gerardo Magela e Hiram Pereira, dois cidadãos esquecidos, até porque os defensores da ditadura fizeram o possível para ocultar a memória sobre eles. Em nenhuma praça, em nenhuma rua de Caicó, homenageiam-nos com seus nomes, mas a sociedade de Caicó lhes deve isto. A possibilidade de existir um terceiro caicoense morto pela ditadura militar foi relatada pelo professor Francisco Félix Filho1. Ele relata que quando tinha nove ou dez anos era comum contar-se essa história, aqui em Caicó, de um rapaz que foi para o sul do país. Não há certeza sobre seu destino, Rio de Janeiro ou São Paulo, mas fora estudar e morava numa residência universitária. A mãe deste rapaz morava em Caicó, no bairro Barra Nova, e era bordadeira. Para distinguir as peças do filho, já que ele morava num ambiente coletivo, ela bordava a perna dos calções, os lençóis com as iniciais do nome dele. Um dia, esta mãe recebera um comunicado de que seu filho tinha se envolvido com a política estudantil, em plena ditadura militar; tinha saído para uma movimentação de rua e não havia retornado mais para a residência universitária. Imediatamente, esta mãe viajou para a suposta cidade (Rio de Janeiro ou São Paulo) para procurar o filho. Foi a delegacias, hospitais e durante seis dias não soube do paradeiro do filho. Quando esta mulher já estava para retornar a Caicó, sem nenhuma esperança de encontrar o filho, recebeu uma notícia que havia um corpo boiando numa lagoa. Como ela tinha que, de todas as formas encontrar seu filho, foi até o local do corpo, que aliás já estava em estado de decomposição. Quando lá chegou reconheceu que era o filho, pois na perna do calção que o rapaz estava vestido, continha as iniciais do nome dele, que ela havia bordado. Histórias como esta foram comuns durante a ditadura militar. Mas, infelizmente, o professor Félix não soube afirmar o nome da mãe, nem do rapaz morto, só sabe de certeza que esta história era muito contada em Caicó. Anos depois, quando Félix já estava cursando Universidade, que já havia obtido um esclarecimento maior sobre o regime militar, ele passou a querer saber mais sobre este caso que ouvira quando ainda era menino e que não dava importância na época. Por um momento, Félix pensou que esta fosse a mesma história de Gerardo, já que os fatos eram bem parecidos, pois a família Torres morava no bairro Barra Nova e as mulheres desta família eram bordadeiras. Além disso, Gerardo estava envolvido na política estudantil. Enfim, este é um caso que pode ser verídico, mas não se pode afirmar com certeza de que se trata do caicoense Gerardo Magela. Um dos ativistas mortos pela repressão, Gerardo Magela F.T. da Costa (FOTO 11), nasceu em 1950, em Caicó e ainda criança foi morar em São Paulo. Era filho de Luís Fernandes da Costa (Luís do Correio) e Francisca Jandira Torres Fernandes da Costa. Era sobrinho pelo lado materno, de Manoel Torres de Araújo, ex-prefeito de Caicó. Gerardo chegou a estudar no Colégio Diocesano Seridoense (CDS) antes de ir para São Paulo. Quando residia em Itu/SP, atuava como jornalista e participava do jornal BIDU – Jornal que mobilizava a juventude daquela cidade. Este mudou-se para Sorocaba e passou no vestibular de Medicina, que chegou a cursar até o 5º ano. Como estudante universitário, participou ativamente do movimento estudantil, chegando a ser eleito Presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Sorocaba. A repressão militar não permitia a livre manifestação de idéias e o jovem estudante Gerardo Magela, como era um universitário intelectualizado, de idéias antifascistas, era visto como uma ameaça à política dos militares, pois o “vírus” de suas idéias poderia contaminar os brasileiros. Inclusive, a política estudantil havia se tornado proibida pela Lei Suplicy, no Governo Costa e Silva. Sendo assim, de acordo com a versão oficial divulgada pela repressão política, Gerardo Magela teria se suicidado no dia 28 de maio de 1973, quando atirou-se do Viaduto do Chá, no centro de São Paulo, sendo vítima de traumatismo craniano-encefálico. O legista que assinou o laudo oficial foi Otávio D’Andréia, legista da ditadura militar, “responsável por inúmeros laudos falsos de morte de prisioneiros políticos”2. Fraturas, escoriações, prováveis em alguém que tenha caído de uma altura razoável não consta registrado no laudo oficial do cadáver de Gerardo. Este foi enterrado no cemitério de Perus/São Paulo. O nome de Gerardo Magela não consta na relação oficial dos mortos e desaparecidos políticos no Brasil. Na época, a família negou-se a falar a respeito do acontecido, mas “informações indicam que a família teria selado um acordo com os órgãos de segurança para obter os restos mortais de Gerardo, em troca do silêncio absoluto”.3 Duvidam-se hoje, que os restos mortais enterrados em Caicó pela família, sejam realmente de Gerardo. Pois quando fizeram o acordo para transferência da ossada deste para Caicó não foram feitos os exames técnicos e científicos que comprovassem a verdadeira identidade dos despojos. Hoje, depois de quinze anos do fim da Ditadura Militar, o tio de Gerardo, o Sr. Manoel Torres afirma: “a gente atribui que mataram ele, a polícia matou e jogou no Viaduto do Chá... Aí ele apareceu morto no viaduto, então a polícia informou que tinha sido um suicídio. Mas não foi suicídio”.4 Na época, o jornal francês, Le Monde veiculou a notícia da morte de Gerardo, atribuindo-lhe motivação de natureza política. Um outro caicoense que, assim como Gerardo Magela, foi morto pelo regime militar foi Hiram de Lima Pereira (FOTO 12). Ele nasceu em 03 de outubro de 1913 e era filho de Hilarino Amâncio Pereira (Dr. Hilarino, ex-juiz de Caicó) e Maria Marieta de Lima Pereira. Ele chegou a ser jornalista, ator, poeta, militante e dirigente do PCB. Em Caicó, Hiram chegou a apresentar algumas peças teatrais que, como afirma Manoel Torres, eram todas “de fundo comunista e socialista.”5 Eles chegaram a ensaiar uma peça teatral chamada Ladra e segundo Manoel Torres, nas palavras de Hiram ele “achava que a sociedade era ladra. Que explorava o povo e principalmente a classe operária”.6 Hiram de Lima Pereira foi eleito Deputado Federal pelo Rio Grande do Norte em 1946 “onde conseguiu uma das maiores votações na legenda do PCB” (Dossiê..., 1996, p. 302). Mas teve seu mandato cassado em 1948 junto com toda a bancada do PCB, por um ato do Governo Federal7. Como atuante político participou de todas as campanhas políticas e eleitorais tanto a nível local, como nacional. Quando os militares deram o Golpe de Estado em 1º de abril de 1964, Hiram de Lima Pereira entrou na clandestinidade, inicialmente em Recife, onde residia com sua família e ainda exercia a função de Secretário de Administração da Capital Pernambucana. No ano de 1966, transfere-se para o Rio de Janeiro e depois, para a cidade de São Paulo. Não só Hiram de Lima Pereira foi perseguido, como também membros de sua família, como foi o caso de sua esposa e uma de suas filhas que foram detidas no IV Exército, em Recife, quando estourou o golpe, pois os militares tinham informações que se tratava de uma família onde o chefe era comunista e encontrava-se refugiado. Quando esteve em São Paulo, Hiram exerceu funções partidárias como jornalista e dirigente político, sempre participando de movimentos políticos contra a ditadura militar, em favor da liberdade e da justiça social. Todo o tempo que esteve na clandestinidade, Hiram usava codinome de José Vanildo de Almeida e tinha todos os documentos com este nome, que era de um parente falecido. Quando Hiram desapareceu, sua família já residia em São Paulo. Seu último contato com a mesma ocorreu em janeiro de 1975. Hiram ficou de se encontrar em “um ponto” com sua esposa, Célia Pereira, no dia 13 de janeiro, sendo que ele não compareceu. No dia 15 do mesmo mês, Célia Pereira foi presa por agentes do DOI-CODI, permanecendo detida por três dias, sendo brutalmente torturada. De acordo como foi conduzido o interrogatório de Célia Pereira, ela chegou a crer que o seu marido fora morto sob torturas no mesmo período. Quando esteve detida, Célia afirma ter vislumbrado, entre as várias pessoas levadas às sessões de torturas, uma pessoa encapuzada com características físicas do seu esposo. Um mês depois da prisão de Célia Pereira, duas de suas filhas foram levadas e, encapuzadas foram interrogadas nas dependências do DOI-CODI em SP. Acredita-se que Hiram de Lima Pereira tenha sido identificado pelos órgãos de segurança a partir da descoberta de uma conta bancária no BRADESCO, no nome de José Vanildo de Almeida (seu codinome), pois nos arquivos do DOPS/PE, os pesquisadores encontraram no seu prontuário um extrato bancário. Não se sabe a data certa de sua morte nem tão pouco o seu corpo foi localizado. A União responsabilizou-se pela morte de Hiram de Lima Pereira e o seu nome consta na lista dos desaparecidos políticos brasileiros. Como vimos, após o golpe de 1964, a sociedade brasileira segue um outro rumo, a situação era aterrorizante. Mortes, torturas e perseguições passaram a ser constantes durante o regime militar. Muitos brasileiros foram mortos injustamente e outros para não morrerem partiram para o exílio. Os oposicionistas da ditadura militar eram vistos como anti-nacionalistas e, até mesmo como terroristas por estarem lutando por uma política justa, pelo direito à liberdade e contra a exclusão social. Esta luta fora ocultada pelos militares no poder, que transmitiam à população brasileira uma política farsante. A ditadura militar fez com que as pessoas entrassem em pânico, pois a repressão estava agindo violentamente nos “quatro cantos” do país, contra aquelas pessoas que não estavam alisando os coturnos dos militares. E, lamentavelmente, tivemos caicoenses vítimas de ações do golpe. MOVIMENTO ESTUDANTIL EM CAICÓ: POLÍTICA PELA LIBERDADE É comum se pensar que ditadura militar de 1964-1985 foi somente morte e tortura. Como se observou durante o regime militar, estabeleceram-se bloqueios ao desenvolvimento político, social e cultural da nação como um todo. No que se refere à educação, os militares abusaram de medidas repressivas em relação a mudanças no ensino, com o intuito de anti-conscientizar, ao ponto de deixar os estudantes num estado de alienação, sem interesse na política e sem espírito de organização grupal, para reivindicarem por melhorias de interesse da classe estudantil. Sobre a educação em Caicó, o professor Brito relata: “(...) Caicó especialmente sempre se destacou pelo nível cultural das pessoas, e hoje o nível está quase zero, e isso foi resultado da ditadura. Veja, a própria ditadura tirar filosofia, sociologia, por que? Para que o povo não fosse mais organizado. Hoje em Caicó estuda somente o que estudava anteriormente, o nível cultural caiu. Hoje vota-se pior do que votava-se antes e isso tudo é resultado da ditadura”.i Em Caicó na década de 60 e meados da década de 70, tinha-se um movimento estudantil organizado, participativo na vida política, social e cultural da cidade e havia uma discussão muito grande contra a ditadura militar. A juventude naquela época, principalmente a partir de 1968, era muito empenhada em lutar por melhorias na educação, na política e na sociedade. Havia entre os jovens um certo trabalho de conscientização, de esclarecimento, de noticiar fatos e acontecimentos que não vinham ao público através dos meios de comunicação oficiais, sendo comentados mais através de cachichos. No dia 1º de abril de 1964, o Presidente da UEC (União Estudantil Caicoense), Paulo Celestino da Costa lançou nota de repúdio ao golpe na Emissora Rural de Caicó e, esta nota era forte porque chamava os militares de “gorilas”. No mesmo instante foram chamados ao Exército Paulo Celestino e Pe. Itan Pereira – diretor da Emissora Rural e do Colégio Diocesano Seridoense – para explicarem o porquê de terem chamado os militares de gorilas. Eles foram advertidos e isto foi uma mostra, ou seja, o primeiro contato com o novo governo que se instalava no país. A Emissora Rural de Caicó dava espaço aos estudantes para divulgarem seu trabalho, inclusive a UEC tinha um programa próprio, levado ao ar aos domingos. Os líderes estudantis que eram ao mesmo tempo radialistas, trabalhavam de graça, por se empolgarem no trabalho de divulgação, e não raro eles furavam as notícias. Os militares indignados pediam à direção para colocá-los para fora da rádio, mas o bispo de Caicó, que apoiava este trabalho de esclarecimento desempenhado por esses estudantes, segurava-os na rádio. Quando começou a repressão contra os estudantes no Rio Grande do Norte, os discentes de Caicó que tinham um movimento estudantil muito bem organizado, não sofreram tantas perseguições, até porque o bispo Dom Manuel Tavares tornou-se uma espécie de protetor desses estudantes. A cidade de Caicó destacava-se no Rio Grande do Norte devido ao seu setor educacional, pela reconhecida qualidade de ensino. Em cada escola havia um grêmio que realizava atividades de formação intelectual, semana cultural, semana estudantil etc. Os grêmios ficavam responsáveis por lançarem os candidatos à presidência da UEC, que sempre fora disputadíssima. A UEC neste período teve presidentes que destacaram-se pelo trabalho desenvolvido, os quais passavam a atuar de radialistas na Rádio Rural como uma forma até de promoção e de alargamento dos horizontes. Entre os presidentes da UEC, um que teve destaque foi Salomão Gurgel Pinheiro, que realizou um reconhecido trabalho no movimento político estudantil em Caicó em plena ditadura militar. É digno de registrar que, em Caicó, fora realizado o primeiro protesto, ou seja, a primeira manifestação de rua (FOTO 10) contra a ditadura militar no Rio Grande do Norte. Os estudantes de Caicó, liderados por Salomão Gurgel Pinheiro e Ruy Pereiraii, organizaram uma grande passeata para denunciar os abusos da ditadura militar e, em protesto à morte do estudante Edson Luís de Lima Souto, morto em conflito com a PM, no Restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, em março de 1968. Segundo Salomão, saíram concentrações de estudantes do Colégio Diocesano Seridoense, do Instituto de Educação, atual CEJA (Centro Educacional José Augusto), do Educandário Santa Teresinha, da Escola Senador Guerra e da Casa do Estudante, num total de quase 3.500 estudantes reunidos, gritando palavras de ordem, pedindo liberdade e protestando contra o assassinato de Edson Luís. Esta passeata parou na praça da Liberdade, atual praça Dinarte Mariz, onde fora realizado um comício, vindo o protesto terminar no centro da cidade. Nos cartazes da foto abaixo, lia-se: “Estudantes caicoenses na luta contra a opressão”. “(...) Liberdade”. “(...) a bala (...)”. Apesar da presença do Exército em Caicó, e da polícia orientada para não permitir manifestações públicas contra a ditadura militar, Salomão afirmou que: “tenente Bezerra, pai de Belmont, recebeu ordem para fazer tudo e tentar impedir”.iii Mesmo assim, a passeata de protesto foi realizada, de uma forma muito tranqüila, mesmo com a presença de alguns policiais na rua, que apenas observavam o movimento. Não houve repressão, até porque participavam deste protesto filhos das principais famílias de Caicó e seria uma imprudência o exército reprimir estes jovens. Foi um acontecimento que até a imprensa de Natal registrou. Como já fora relatado anteriormente, em Caicó, os cidadãos só faziam política na Arena Verde e na Arena Vermelha. Mas um grupo de estudantes ousaram e fizeram política para dois candidatos do MDB: Odilon Ribeiro Coutinho, candidato a Senador, e o bancário Geraldo Queiroz, candidato a Deputado Estadual, que inclusive foi eleito. Este grupo de estudantes, através de um programa na Rádio Rural, levaram estes dois nomes a todos os lares de Caicó. Em represália os militares fecharam o programa e, por intermédio de advogados o grupo, do qual Salomão fazia parte, conseguiu colocá-lo no ar novamente. Sobre este fato, Salomão afirmou que: “Havia esse tipo de perseguição pela intimidação. Por exemplo, você estava fazendo um programa de rádio, da oposição, do partido de oposição e quando saía da cabine da Rádio Rural aí estavam na sua frente dez, doze oficiais só para lhe intimidar”.iv Quando Salomão serviu ao Exército em 67-68, a situação não era tão fácil para ele lá dentro. Mesmo sendo soldado, ele teve permissão para concorrer pela segunda vez a presidência da UEC. Por questão mais de divulgação da sua campanha, ocorrera um problema e alguns oficiais que tinham raiva de Salomão, pediram a cadeia para ele. O coronel Lúcio de Moraes Caldas, que não deixava influenciar-se pelos oficiais, retirou o pedido de prisão, mas mesmo assim Salomão passou duas semanas detido. Pode-se dizer que Salomão tornou-se uma pessoa fichada no meio político-militar. Por duas vezes este passou no vestibular, inclusive no curso de Medicina em Natal, mas não permitiram que ele entrasse na Universidade. Oberdam Damásio Santos afirmou que: “Salomão teve de ir embora escondido (...) Ele não conseguiu entrar na Universidade tendo passado, aí teve que inventar que ia para Portugal e de lá foi embora para Moscou, morou onze anos, ele foi exilado (...)” (ARAÚJO et al, 1999.) Maria Brasileira de Araújo relatou que um dia Berto Barbeiro estava ouvindo seu rádio à noite, e escutou Salomão dando um depoimento na Rádio Central de Moscou. Quando a repressão tornou-se mais árdua com os estudantes e conseqüentemente foi havendo o empobrecimento educacional, que inclusive os grêmios estudantis, por uma lei federal, foram transformados em centros cívicos, os estudantes foram se dispersando até acabar por completo o movimento participativo dos jovens entregues à luta política, social e cultural. Hoje o movimento estudantil vive num marasmo, qualquer manifestação que se pretenda realizar não consegue reunir mais que meia dúzia de estudantes. Antes, no período das liberdades reprimidas, as manifestações estudantis de Caicó reuniam mais de mil estudantes, mesmo se fosse em um ato público ou em uma reunião em ambiente fechado. O professor Brito costuma afirmar que a ditadura militar foi a grande noite e que: “essa noite foi tão preta que mesmo que tenha acendido uma luz muito fraca no final do túnel, Caicó ainda permanece na escuridão. E eu não sei se é uma cegueira política ou se é uma cegueira cultural (...) Inclusive hoje em Caicó quando eu vejo muitas vezes uma votação para líder de classes, vota-se no pior e eu digo: você vota no pior para líder, vereador, prefeito, deputado estadual, federal, senador e presidente (...) Agora será que este estudante vota assim porque? Isso é fruto de uma ditadura que quando você pergunta na sala de aula o que você já leu? O professor não mandou. Então você só toma banho se sua mãe mandar?”v Antes da ditadura militar havia um rico movimento intelectual, político e de conscientização crescente. Durante a ditadura militar este movimento foi reprimido, então para vencer na vida o caminho era estudar, se os jovens quisessem vencer só tinham este caminho: os estudos. Tinham que partir para a luta. Esta luta aos poucos foi amornando com os atos ditatoriais no Brasil, até chegar a televisão, que estando censurada, contribuiu para a alienação total dos jovens. A política na década e 60 e o Golpe: Aluízio, Dinarte, Djalma Maranhão entre sonhos populares e populistas. Os acontecimentos que culminaram com o golpe militar de 1964, no Rio Grande do Norte, foram bastante tumultuados, mas logo a repressão instaurou-se nos quatro cantos do Estado. “No dia 1º de abril, o Sr. Aluízio Alves, imprensado pelos acontecimentos, redigiu dois manifestos, um a favor da revolução, e o outro, ao lado do amigo Jango”. (GÓES, 1999 b, p. 246). Após consultar Magalhães Pinto, líder nacional da UDN e um dos articuladores do golpe civil-militar, o governador do Rio Grande do Norte, Aluízio Alves, define posição favorável aos golpistas, passando a integrar-se ao movimento, assumindo com os militares a defesa da Ditadura Militar no Estado. O governador Aluízio Alves era até então um líder populista, eleito governador em 1960, pelo PSD (Partido Social Democrático), numa coligação que reuniu o PCB, o PS (Partido Socialista) e o PTN (Partido Trabalhista Nacional) – partido do ex-prefeito de Natal, Djalma Maranhão, um dos maiores líderes de esquerda nacionalista no Rio Grande do Norte. Contava ainda com dissidentes udenistas que lhe apoiaram no momento do rompimento político com Dinarte Marizi, o qual preferiu apoiar Djalma Marinho na chapa da UDN. Para os grupos progressistas, esquerdistas e nacionalistas, que apoiaram a candidatura aluizista, a aliança poria fim à política oligárquica, iniciando um período de conquistas econômicas e sociais para o povo do Rio Grande do Norte. A nível nacional, Aluízio mantinha aliança com o governo João Goulart, mas a nível local sua aliança era com as oligarquiasii e os EUA, através da Aliança para o Progressoiii, motivo que resultou no rompimento com Djalma Maranhãoiv, fato deflagrado nas eleições de 1962, para os cargos legislativos nacionais e prefeituras. Aluízio Alves recusou-se a apoiar a candidatura de Djalma Maranhão para o Senado Federal, garantindo a vitória de Walfredo Gurgel, então seu vice-governador. Com isso, Aluízio rompe definitivamente com os movimentos populares, que o haviam elegido, adotando práticas clientelistas e oligárquicas. Este passa a reprimir e perseguir movimentos reivindicatórios e manifestações coletivas, como no caso do movimento dos estudantes de Direito, em 1961, da greve dos Trabalhadores da Construção Civil, em 1963, e da greve da Polícia Militar, no mesmo ano. Quando o golpe já estava deflagrado, Aluízio Alves publicou nota na Tribuna do Norte, intitulada Ao Povo, na qual informava lamentar: “que o presidente João Goulart, a quem reconhece e sempre há de proclamar inestimáveis serviços ao Rio Grande do Norte (...) não tenha podido impedir a radicalização das posições ideológicas e políticas, conduzindo o país a um impasse intolerável, que só pode ser solucionado com o respeito às tradições das forças armadas”. (TRIBUNA DO NORTE, 02/04/64 apud PEREIRA, 1996, p. 132). Em posição contrária ao golpe militar e ao governador Aluízio Alves ficou o prefeito de Natal, Djalma Maranhão. Na manhã de 1º de abril/64, o prefeito comunicou ao Comandante Militar e ao Secretário de Segurança Pública que estaria ao lado da democracia e do presidente da República, João Goulart. No mesmo dia, Djalma Maranhão reuniu-se na Prefeitura de Natal com seus secretários, lideranças estudantis, sindicais e políticas. Numa atitude legítima, do ponto de vista democrático, Djalma conclama o povo, através de notas oficiais, a resistir ao golpe. Na primeira delas consta: O prefeito Djalma Maranhão, ao lado das forças populares e democráticas, conclama o povo para que se mantenha em permanente estado de alerta, nos seus sindicatos, diretórios, órgãos de classe, sociedades de bairros, ruas e praças públicas, na defesa intransigente da legalidade, que possibilitará a libertação do povo e do País do imperialismo e do latifúndio, a concretização das Reformas de Base do amanhã mais justo e mais feliz do Brasil. O prefeito Djalma Maranhão (...) cumpre a sua obrigação de dizer que a Prefeitura é a casa do povo onde se instala nesta hora, o Q.G. da legalidade e da resistência. (DIÁRIO DE NATAL, 1º/04/64 APUD PEREIRA, 1996, p. 128). Em Natal, não ocorre nenhuma manifestação popular de resistência, pois as autoridades militares das Forças Armadas, junto com o governador do Estado, Aluízio Alves, adotam medidas preventivas para impedir, mesmo com o emprego violento da força, se for o caso, a perturbação da ordem pública, deixando tropas de prontidão nas ruas. Em notas oficiais, os militares advertiam ao povo em geral e, particularmente, os estudantes e operários, que estavam proibidas as aglomerações, passeatas e comícios contrários ao regime instaurado. A situação era tensa na Prefeitura. Djalma Maranhão tentou entrar em contato com Miguel Arraes, governador do Pernambuco, para informar-se dos acontecimentos naquele estado, mas não conseguiu. A notícia que chegou à Prefeitura naquele dia era que o presidente João Goulart já havia sido deposto. Durante a noite, uma patrulha do exército invadira o prédio da Prefeitura de Natal. “O oficial que a comandava abriu a porta do gabinete do prefeito com um chute, e gritou: Acabou a baderna! Pra fora comunistas, filhos da puta”. (GÓES, 1999 a, p. 182). Junto com Djalma Maranhão foram presos o presidente do Sindicato da Construção Civil, Evlin Medeiros e o vice-prefeito Luís Gonzaga dos Santos, todos acusados de serem comunistas. Os outros presentes na Prefeitura foram expulsos. Sobre este evento o próprio Djalma Maranhão relata numa de suas cartas no exílio: “Fui traído pelo Comandante da Guarnição de Natal, Coronel Mendonça Lima (...) e que, se bandeando para o golpe, após invadir a Prefeitura com forças militares, convocou-me ao Quartel General oferecendo-me a liberdade em troca da minha renúncia. Recusei em nome de minha honra e do respeito ao povo que, me conferira o mandato por mim desempenhado”. (MARANHÃO, 1984, p. 74). No desejo maior de manter-se no controle do poder estadual, Aluízio Alves apoiou e liderou diversas ações repressivas. Formou ele próprio uma Comissão Especial de Investigação no Rio Grande do Norte, contratando em Pernambuco dois policiais que tinham treinamento especial na CIA: Carlos Moura de Morais Veras, com cursos no FBI (Federal Bureau of Information), e José Domingos da Silva. Estes agentes tinham amplos poderes para prender, encarcerar e torturar os subversivos que faziam mobilizações populares. Estes amplos poderes eram justificados pela retórica de que eles estavam agindo em nome da Segurança Nacional. Como em todo o país, foram instalados, no Rio Grande do Norte, diversos IPMs, criados pelo AI-1, chefiados por coronéis do Exército, ampliando o poder repressivo dos militares frente às atividades consideradas subversivas e antidemocráticas, juntamente com uma Comissão Geral de Investigações. Os militares e civis que cercearam o poder político fizeram questão de ocultar informações e apagar da memória do povo norte-rio-grandense, o trabalho social desempenhado por Djalma Maranhão, prefeito de Natal à época do golpe. A respeito da administração de Djalma Maranhão, Dorian Jorge Freire afirma: “Djalma não administrava para o povo – Djalma administrava com o povo. Com ele a democracia era mais o governo do povo do que pelo povo e para o povo (...) A intervenção militar de 1964 tinha de pegá-lo, porque não podia aceitar o povo no governo. Cassou Djalma Maranhão, prendeu Djalma Maranhão e terminou por exilá-lo”. (MARANHÃO, 1984, S/P). Com o golpe de 1964, Djalma Maranhão foi afastado da Prefeitura do Natal, preso e teve seu mandato cassado. Após a prisão, foi entregue ao IPM, dirigido pelo capitão Ênio de Lacerda. Segundo o próprio Djalma Maranhão: “Este [Ênio] com técnicas da Gestapo de Hitler, devassou a Prefeitura, sindicatos (...) diretórios estudantis, prendendo dezenas de pessoas, chegando a torturar presos políticos”. (MARANHÃO, 1984, p. 70). Djalma Maranhão passou pelas prisões em Natal, Recife e Fernando de Noronha. “(...) em várias oportunidades, quando dos interrogatórios dos IPMs, foi incitado para acusar o Governador do seu Estado, sob a alegação de que o homem, para estar ali em seu lugar, era o Sr. Aluízio Alves. Recusou-se, (...) e em todos os seus depoimentos não delatou ninguém assumindo, unicamente, a responsabilidade dos seus atos, apesar do terror existente”. (GÓES, 1999 b, p. 246). Em sua administração, Djalma Maranhão deu prioridade à Educação. Este acreditava que o seu “crime maior foi alfabetizar vinte e cinco mil crianças na pioneira campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, reconhecida pela UNESCO”. (MARANHÃO, 1984, p. 69). Mas não foi só isso. Djalma Maranhão defendia a reforma agrária e a limitação da remessa de lucros dos trustes para o exterior. Somente em fins de 1964, é que Djalma Maranhão foi libertado, por intermédio de um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal. A Comissão Especial de Investigações chegou a produzir um relatório intitulado Subversão no Rio Grande do Norte. Este “ficou conhecido como Relatório Veras, fazendo alusão ao nome do delegado que presidia a comissão”. (PEREIRA, 1996, p. 138). Esta comissão tratou de perseguir os funcionários públicos acusados de subversão e comunismo. “As investigações duraram cinco meses. De abril a junho, as prisões se encheram. Foram 83 indiciados e 60 denunciados pela 7a Auditoria Militar do Recife. E, com base nas conclusões da Comissão Estadual de Investigação, o governo fez as demissões no Estado e no município: 13 demitidos, 9 aposentados e 1 em disponibilidade”. (GÓES, 1999 a, p. 189). O Relatório Veras foi publicado no jornal O POTI, de 27/09/64, mostrando ainda fotos de pessoas indiciadas, acusadas de subversivas. Os militares e o governo civil, usando-se de IPMs e comissões de investigações, chegaram a prender, torturar e exilar participantes do PCB, de sindicatos, do movimento estudantil, funcionários públicos e trabalhadores rurais. Maria Conceição P. de Góes afirma: “Foram presos muitos trabalhadores do campo que reivindicavam direitos trabalhistas, e que, por esse motivo, se haviam aproximado das ligas camponesas ou dos sindicatos rurais (...) Muitos presos não eram chamados para depor, não sabiam de que eram acusados, iam ficando desesperados”. (GÓES, 1999 a, p. 192). Muitas lideranças católicas que trabalhavam em prol dos sindicatos rurais eram igualmente acusadas de comunistas, ou de pactuarem com eles. Dom Eugênio Sales, bispo conservador e administrador apostólico de Natal, teve seu principal colaborador no sindicalismo rural potiguar, José Rodrigues Sobrinho, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Norte, preso por participar da Frente de Mobilização Popular e de movimentos grevistas no Estado. Dom Eugênio conseguiu a libertação de José Rodrigues do quartel do 16º RI (Regimento de Infantaria), mas a este fora recomendado o exílio, fato concretizado a posteriori. A repressão de 64 não atingira apenas os homens, pela primeira vez em Natal, mulheres foram presas por envolvimento político. Entre elas, estavam Maria Laly Carneiro, pertencente à Ação Popular; Diva da Salete Lucena e Margarida de Jesus Cortês, pedagogas da Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler e, Mailde Pinto Galvão, diretora de Documentação e Cultura da Prefeitura do Natal. No dia 10 de abril de 1964, foi preso também Luís Maranhão Filho, militante do PCB, irmão de Djalma Maranhão. Luís havia sido descoberto numa casa na Praia da Redinha, onde havia se refugiado após ter saído do Q.G. da Legalidade, em 1º/04/64. Luís Maranhão Filho já temia uma crise institucional no Brasil, por isso, e por sua posição ideológica, procurou refúgio. Luís Maranhão, que assistira ao Comício da Central em 13/03/64, ficara “bastante impressionado com o tom dos discursos. Parecia que as lideranças de esquerda pretendiam ultrapassar umas às outras pelo radicalismo”. (GÓES, 1999 a, p. 179). Ao ser preso, Luís foi levado para o RO (Regimento de Obuses) e deixado numa sala onde já se encontravam Luís Gonzaga dos Santos, José Macedo, Hélio Xavier de Vasconcelos e Omar Pimenta, indiciados como comunistas e subversivos. Na noite de 21/04/64, Luís Maranhão e mais três companheiros foram levados para uma sessão de tortura. “Amarrados, pendurados pelos pés, recebiam choques elétricos, e, em seguida, mergulhados em tonel de água e óleo até quase desfaleceram”. (GÓES, 1999 a, p. 192). No 16º RI, os procedimentos com os presos não eram diferentes. Entre os presos que lá se encontravam estavam: Djalma Maranhão, o médico Vulpiano Cavalcanti – um dos mais expressivos comunistas no Rio Grande do Norte – Moacir de Góes, Aldo Tinoco, alguns estudantes universitários, entre outros. O presidente da Ultar, Waldier Gomes dos Santos sofreu tanto espancamento que ficou com um pulmão afetado. Já o caicoense Evlin Medeiros, além das torturas, sofreu simulação de fuzilamento. Em agosto de 1964, foram embarcados para a prisão na ilha de Fernando de Noronha: Luís e Djalma Maranhão, Floriano Bezerra e Aldo Tinoco, só que eles não sabiam para onde estavam sendo levados. Ao chegarem em Fernando de Noronha “(...) foram colocados em uma prisão do quartel militar do Exército e puderam conversar. Na cela ao lado estava o ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Mesmo sem se avistarem conversaram à noite, durante muito tempo”. (GÓES, 1999 a, p. 197). Por intervenção do advogado e deputado federal Carvalho Neto, foi concedido o habeas corpus a Luís Maranhão, que foi libertado em fins de outubro de 1964. Este retorna à Natal, mas sente um clima de insegurança e teme continuar na cidade, decidindo partir para o Rio de Janeiro. Nem o advogado e deputado federal Carvalho Neto foi poupado da repressão. Este, que por intermédio de habeas corpus conseguiu a libertação de muitos presos políticos do Rio Grande do Norte, fora igualmente detido no 16º RI, em fins de 1964. Carvalho Neto era acusado de prestar desserviços à “Revolução” e advogar comunistas e subversivos. O capitão Ênio Lacerda chegou a ameaçar Carvalho Neto de espancamento. Por intervenção da OAB junto ao Ministério da Justiça, Carvalho Neto foi libertado. Muitos políticos da UDN acusavam seus adversários da esquerda nacionalista de terem atividades subversivas, envolvendo-os em algum IPM, de maneira a eliminar a concorrência. Com a implantação do bipartidarismo pelo AI-2, Aluízio Alves filia-se à ARENA, partido do governo, e consegue eleger-se deputado federal em 1966. Consegue também eleger seu sucessor a governador, Walfredo Gurgel, derrotando Dinarte Mariz, maior inimigo político de Aluízio Alves. Mesmo fazendo parte da mesma legenda, a convivência entre dinartistas e aluizistas tornava-se cada vez mais difícil. Por isso, a ARENA no Rio Grande do Norte ramifica-se em duas: ARENA verde, liderada por Aluízio Alves e, ARENA vermelha, liderada por Dinarte Mariz. Devido a grande influência junto ao governo Costa e Silva, Dinarte Mariz faz sérias acusações ao governo de Aluízio Alves, que desembocaram no seu processo de cassação, entre elas destacaram-se: populismo, corrupção, abuso do poder econômico durante as eleições e atos incompatíveis com o golpe de 1964. Com isso, em 1969, por meio do AI-5, Aluízio têm seus direitos políticos cassados até 1973. Assim como seus irmãos Agnelo e Garibaldi Alves. Durante este período, a família Alves ingressou no MDB, como única alternativa de oposição, mas sem respaldo político. A partir de 1970, as eleições para governo passam a ser indiretas, dando vantagens apenas aos políticos da ARENA, ou seja, o partido da situação. O norte-rio-grandense Dinarte Mariz foi um grande defensor do regime militar. Nos seus discursos no Senado Federal, ele sempre reafirmava seu compromisso com os militares. Considerava-se o defensor da “Revolução e das Forças Armadas contra as investidas dos comunistas e daquelas áreas que contestavam o regime (...)” (MARIZ, 1980, p. 66). Repressão aos caicoenses opositores do golpe militar Quando ocorreu o Golpe de 1964, nenhuma região do país ficou isenta de perseguições políticas. O Rio Grande do Norte, a exemplo dos demais estados brasileiros, teve suas vítimas, como já fora relatado anteriormente. A cidade seridoense de Caicó fora atingida com a perda de dois cidadãos mortos pelo regime militar, que foram os casos de Gerardo Magela e Hiram de Lima Pereira, que na ocasião de suas mortes, estavam residindo em outros estados. Segundo o cidadão caicoense Francisco Félix Filho, existe a possibilidade de um terceiro caicoense morto pela repressão, só que não fora identificado até hoje. Sobre este caso, falaremos mais adiante. As conseqüências da ditadura militar em Caicó não se resumiram à perda de dois filhos desta terra. Com o advento da repressão política e o controle do poder pelos militares, iniciaram-se em Caicó constantes perseguições e acusações de comunismo contra todos os suspeitos de cometer atos subversivos. A instauração do medo e, conseqüentemente, a alienação dos caicoenses, em relação à complexidade do momento, estimulou a ação repressiva na cidade. Nos anos 60, a área urbana de Caicó encontrava-se em desenvolvimento. Quando eclodiu o golpe militar, a repressão em Caicó não teve dificuldades em identificar seus opositores e, conseqüentemente, reprimi-los. As autoridades locais e as lideranças políticas solidarizam-se com os golpistas. Mesmo que um ou outro não defendesse abertamente o autoritarismo implantado, também não se rebelaram. Os políticos de Caicó seguiam sempre os líderes Monsenhor Walfredo Gurgel e Dinarte Mariz, mitos políticos locais favoráveis ao regime instaurado. A ordem naquele momento seria de não contestação. Ainda no ano de 1963, começaram a organizar-se em todo o Brasil os Grupos de Onze, que era uma espécie de núcleos de resistência às tentativas golpistas, se possível até de forma armada, articulado por Leonel Brizola, líder político do Rio Grande do Sul e do PTB, o qual contava com o apoio do comandante do Exército do Rio Grande do Sul. Em Caicó, alguns brizolistas e até pessoas de esquerda chegaram a assinar uma lista para formar um Grupo de Onze. Não se sabe ao certo se fora formado apenas um ou vários Grupos de Onze nesta cidade. No caso, se o golpe fosse decretado, esses grupos de onze pessoas se articulariam e enfrentariam o golpe. Mas, como já fora visto, em nenhuma cidade do Brasil os golpistas encontraram resistência armada. Foram identificados como pertencentes ao Grupo de Onze em Caicó, entre outros: Sebastião dos Santos (Basto Viola), Alfredo Ribeiro e Bartolomeu Tomás de Araújo (Berto Barbeiro). Costumeiramente, todo aquele que mantivesse ligação com qualquer movimento de oposição ao regime militar era tachado de comunista e subversivo. Atualmente, Sebastião dos Santos nega sua participação no Grupo de Onze, mas o cidadão José Neto de Araújo o contradiz e afirma que no Grupo de Onze, Sebastião dos Santos “era uma espécie de chefe bem dizer (...) no dia quando arrebentou a revolução, me lembro demais, Basto recebeu um pacote de jornal (...) aí me entregou escondido: Zé Neto por caridade pegue isso, esconda”.i O jornal distribuído pela corrente brizolista era O Panfleto. O próprio Sebastião dos Santos afirma: “(...) eu era muito brizolista (...) eu era do PTB (...) eu lia um jornal de Brizola que os amigos me dava pra ler”.ii Sebastião dos Santos relatou que quem tentou formar um Grupo de Onze em Caicó foi Alfredo Ribeiro, que inclusive este fez uma lista com nomes de brizolistas, para convidá-los a formar um grupo, o qual, segundo Sebastião dos Santos, não chegou a ser composto. Ao que se comenta, naquela época (1964) em Caicó só havia um comunista declarado, que era Berto Barbeiro (FOTO 08). Berto militava no PCB desde 1935 e era uma pessoa ligada politicamente a Vulpiano Cavalcanti, Djalma Maranhão e Miguel Arraes, com os quais sempre mantinha contato. Interessante observar que não só Berto mas outros caicoenses de sua época, tinham um nível de escolaridade baixo. Eram pessoas que não tinham afinidade com a escrita, mal sabiam escrever o nome, mas eram pessoas que se interessavam por leituras, de maneira a ficar um tanto quanto bem informados e, o curioso é que Berto, mesmo com pouco estudo, lia sobre idéias socialistas. Era enviado para Berto o jornal A Voz da Unidade, editado pelo PCB. Maria Brasileira de Araújo, filha de Berto afirma que: “(...) as pessoas de esquerda que ele conversava, que ele tinha amizade [em Caicó] eram: Zé Quinino e Inácio Tito”.iii Na versão de João Massilon de Medeiros, Caicó não tinha só um comunista, mas três: Berto Barbeiro, Inácio Tito e Chico Moreira. Segundo o próprio João Massilon de Medeiros, depois de iniciado o golpe “Inácio Tito fugiu daqui, passou um bocado de tempo escondido e, Chico Moreira já estava mais morto do que vivo, antes dessa revolução terminar ele morreu”.iv Como se pode observar o número de comunistas em Caicó era inexpressivo. Por ser a cidade bastante conservadora, aquelas pessoas de idéias mais progressistas, que não eram comunistas, mas eram contra a ditadura militar e assim, passavam a ser consideradas como pessoas perigosas. Neste meio incluíam-se alguns bancários, alguns professores, membros da Igreja Católica e jovens que pertenciam ao movimento estudantil. É unânime a afirmação de que durante a ditadura militar não houve repressão física aos presos políticos nem no Quartel de Polícia, nem no Batalhão do Exército em Caicó. O que foi comum foram as perseguições, as ameaças de tortura, prisões mais por advertência e uma rígida censura à única emissora de Rádio de Caicó: a Rádio Rural. Quando os militares tomaram o poder em 1964, começaram à nível nacional as constantes perseguições políticas e em conseqüência, as decretações de prisões em todo o país. Em Caicó, os membros do Grupo de Onze foram os primeiros a serem perseguidos pelos militares. Todos que já eram identificados como oposicionistas foram chamados a se apresentar ao Batalhão do Exército. Os intimados prestavam depoimentos, se explicavam e conseqüentemente ficavam fichados. Então, Alfredo Ribeiro (FOTO 09) foi um dos oposicionistas que não atendeu a esta ordem, ele não se apresentou ao Batalhão do Exército, fugiu para o Estado de Alagoas, refugiando-se na casa de um irmão. Por ele não ter se apresentado fora decretada sua prisão. O SNI localiza Alfredo Ribeiro na cidade alagoana de Pão-de-Açúcar. O delegado local recebera ordens expressas para prendê-lo, mas devido a influência econômica do irmão de Alfredo Ribeiro, o delegado não o prende e solicita seu retorno imediato para Caicó, a fim de apresentar-se. Alfredo Ribeiro cumpre a ordem, retorna à Caicó e se apresenta no Quartel do Exército, ficando preso e incomunicável. Depois de alguns dias, Alfredo fora transferido para o 16º RI em Natal. As informações que a família recebia era que em pouco tempo, Alfredo Ribeiro iria ser deportado para o presídio político da ilha de Fernando de Noronha. O filho de Alfredo, Max Ribeiro relatou que: “Mamãe enlouqueceu atrás de resolver (...) falava com políticos, falava com um e com outro, chegou a falar até com Monsenhor Walfredo Gurgel que era senador (...) Ele disse: eu não posso fazer nada, porque todas as cartas de comunicação de seu marido prá Brizola passavam pelo senado, então se eu for interceder a favor dele eu também vou me complicar. Quer dizer, a situação de ditadura era tão terrível que todo mundo, inclusive um senador, uma pessoa da posição dele tinha medo de se envolver e não podia fazer nada”.v Então, a esposa de Alfredo Ribeiro recorreu a Manoel Torres, que era líder político de Caicó e Deputado Estadual na época. A família de Alfredo atribui que Manoel Torres foi o responsável pela liberdade de alguns cidadãos da prisão lá em Natal. Mas este conseguiu intervir por estes presos não como político, pelo poder que este tinha e sim, por questão familiar. Manoel Torres era cunhado de um oficial do Exército de Natal, irmão de Oscarina Torres, e este oficial era quem recebia os supostos subversivos de Caicó. Manoel Torres pediu ao cunhado que conseguisse a liberdade de Alfredo. Max Ribeiro relatou que: “o oficial convenceu lá o pessoal de que, no caso do meu pai tinha entrado nesse movimento sem entender, tinha sido enganado, essas histórias todas, então por isso ele saiu”.vi Os que vivenciaram aquela época afirmam que o delegado da polícia de Caicó, Major Durval era um homem muito perseguidor, o qual sempre perseguia os caicoenses subversivos fichados na polícia. Sobre este delegado, Max Ribeiro afirmou: “(...) dizem que tinha um delegado da polícia, um tal de Durval, que ficava perseguindo essas pessoas e, papai chegou a discutir com esse Durval no centro da cidade, abrindo a camisa e mandando ele atirar”.vii O Major Durval chegou a abusar nas perseguições contra o dentista Mário Edson, que era uma espécie de presidente do PTB em Caicó. Uma pessoa como Mário Edson, com um nível intelectual mais avançado, fazendo parte de um grupo de esquerda, era ameaçador aos militares. Sebastião dos Santos relatou que no dia seguinte ao golpe, o Major Durval, “colocou um soldado na porta dele [de Mário Edson], amanhecia e anoitecia e este soldado lá. Ele ficou meio revoltado e foi para um jogo de futebol e lá se exaltou, mais negócio de jogo, mas aí ele se aproveitou [o Major Durval] e deu, é, mandou a polícia bater nele, o rapaz apanhou muito e eu era do PTB, também fiquei solidário com Mário”.viii Esta aproximação de Sebastião dos Santos com Mário Edson foi motivo para Major Durval intimar Basto e mandá-lo comparecer no exército em Natal. Basto Viola afirmou ainda que Major Durval chegou com um papel e disse: “O senhor vá a Natal que o senhor foi intimado (...) aí eu disse: rapaz isso não é intimação não, mas eu vou, não tem problema nenhum”.ix No mesmo período o Major Durval fez uma pesquisa em Caicó, deduziu alguns cidadãos de serem subversivos e intimou-os a comparecer no Batalhão de Natal. Basto Viola foi à Natal, levou uma carta de apresentação concedida por Manoel Torres e afirma: “lá eu fui muito bem recebido, não tinha nada contra mim (...) o delegado dizia aqui: eu mandei ele prá Natal, só vai voltar daqui um mês (...) quando foi no outro dia eu estava aqui”.x Em Caicó houve muita repressão por intimidação, até porque a cidade sediava o 1º Batalhão de Engenharia de Construção, só a presença de um Exército Militar já punha medo naquelas pessoas mais tímidas. O cidadão João Massilon de Medeiros sentiu-se obrigado a sair de Caicó durante a ditadura militar, pois por muitas vezes fora acusado de comunista, mesmo não o sendo. João Massilon se dizia um homem bem informado, que gostava de denunciar políticos corruptos, mas denunciava assim no seu meio de convívio, não era uma divulgação tão pública. Este relatou que Dr. Gerson, 1º Tenente na época e homem muito perseguidor, mandava uma patrulha do Exército lá na sua barbearia só para intimidá-lo. João Massilon afirmou que certo dia, Dr. Gerson chegou para ele e disse “(...) sabia que nós temos uma polícia secreta? Eu digo: mas eu não sou bandido prá ter medo de polícia secreta”.xi As perseguições por questões políticas aqui foram constantes. Soldados da polícia eram ordenados a ficar de prontidão em frente a algumas residências dia e noite como no caso da perseguição ao dentista Mário Edson. Houve um caso de um funcionário do Banco do Brasil que entrava todas as noites na casa de João Massilon de Medeiros, pela porta do fundo, para dormir escondido com a esposa e o filho, pois este bancário era um homem que denunciava o regime militar e temia que a polícia pudesse invadir sua casa à noite e levá-lo preso. João Massilon foi um dos que foi aconselhado a sair de Caicó, porque como havia esta perseguição contra ele, se os militares o prendessem durante o dia, os amigos mais influentes tinham como soltá-lo, agora se prendessem à noite, era mais difícil. João Massilon conta que foi embora de Caicó escondido, com cinco filhos crianças, à meia noite, para ninguém ver, pois poderia ser preso no caminho. Este afirma: “fui só por causa da chateação aqui. Mandava o Exército dentro do meu salão, a polícia vim ficar aqui à noite. Vá por diabo que carregue tanta chateação. Eu não tinha nada com a revolução”.xii Ao que parece, o cruzamento da rua Otávio Lamartine com a avenida Seridó era um setor onde concentravam-se alguns profissionais liberais como barbeiros, sapateiros, ourives, os quais tinham uma certa relação de amizade, de trocas de idéias e que foram os mais perseguidos, pela ditadura militar em Caicó. Havia um hábito muito comum entre estes caicoenses: ouvir rádio. Existiam alguns rádios, a maioria importados, que conseguiam sintonizar, além das emissoras do sul do país, emissoras do exterior, como as da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), dos EUA e a BBC de Londres. Era preferência unânime entre os cidadãos oposicionistas do golpe militar ouvir a Rádio Central de Moscou, a qual o comunista Berto Barbeiro todas as noites a escutava, lá na sua barbearia. Quando se perguntava o que Berto estava ouvindo, este respondia: “estou ouvindo os meninos, referindo-se aos comunistas da Rússia”.xiii Todas as noites, a Rádio Central de Moscou transmitia, durante uma hora todas as notícias do Brasil, principalmente as censuradas e, em Português. Sobre a imprensa do Brasil, João Massilon relatou: “(...) agora a imprensa daqui se tornou uma mordaça que não falava, só falava a favor deles, não dizia nada”.xiv Uma vez a polícia invadiu a barbearia de Berto e acabou com a diversão dele; levaram seu rádio e, ainda avisaram-no que se ele fosse pego lá à noite seria levado preso, pois os mesmos já deduziam que Berto estava ouvindo uma programação comunista. Quem fazia as denúncias, ou seja, dava parte dos supostos comunistas caicoenses eram pessoas que estavam no convívio dos acusados, eram os dedos-duros. Segundo João Massilon, os denunciantes eram: Quincó Lima, Jofre Ariston e Edu Gurgel. Quando o comandante daqui não prendia os supostos subversivos, as denúncias eram feitas ao comandante do Batalhão de Recife que mandava ordens para o comandante de Caicó prender os comunistas aqui, pois este recebia denúncias constantemente de que Caicó estava cheio de comunistas. Afirma-se que o coronel de Caicó que comandou o 1º BEC de 1963 a 1968 era uma pessoa muito compreensiva, conhecia o povo de Caicó, já havia trabalhado numa embaixada por dez anos. Nunca tinha visto uma bandeira ou uma propaganda comunista escrita uma parede em Caicó. O coronel, Lúcio de Moraes Caldas, avisou ao comandante de Recife que aqui mandava ele, quando houvesse necessidade de prender alguém, ele mesmo mandava prender. O próprio Berto Barbeiro que era comunista assumido, apesar de ter sido preso várias vezes, não foi obrigado a sair de Caicó. Pode-se dizer que Berto Barbeiro era um comunista que não tinha intenções de revolucionar a cidade, jamais influenciava alguém para fazer política em grupos de esquerda. Maria Brasileira de Araújo afirma que Berto uma vez recebeu uma caixa de livros, jornais, panfletos mandados por Leonel Brizola, para distribuir na cidade, coisa que Berto não fez. Então, um dia os militares invadiram sua barbearia e levaram todo este material para ser queimado. Quando Berto foi preso, em 1964, e levado à Natal, ele teve dificuldade em ser liberto. Berto não tinha nenhum documento de identificação, pois devido sua posição ideológica ilegal os militares haviam recolhido todos os seus documentos pessoais. Aconselhado por Manoel Torres, Berto Barbeiro filiou-se ao MDB; para isto foi preparada uma ficha com seus dados pessoais e somente com esta ficha de identificação de filiado a um partido legal foi que Berto conseguiu a liberdade, de um presídio de Natal, durante a ditadura militar. Um cidadão caicoense que foi preso pela ditadura militar e que sofreu torturas físicas na prisão foi Evlin Medeiros. Ele residia em Natal, era Presidente do Sindicato da Construção Civil e Presidente da Federação (que englobava todos os sindicatos). Evlin foi preso em 1º/04/64 juntamente com o prefeito de Natal, Djalma Maranhão. Ambos encontravam-se no fatídico dia 1º, no Q.G. da legalidade e da resistência. O irmão de Evlin, José Fidelis Filho, que residia em Brasília e era agente da Polícia Federal, veio visitá-lo no 16º RI, em Natal, onde ficou sabendo que o irmão estava sendo muito torturado. José Fidelis Filho retornou a Brasília, marcou uma audiência com o Ministro da Justiça, relatou o que estava ocorrendo com o irmão, e de lá de Brasília, veio ordem para os militares de Natal dar liberdade a Evlin, o qual foi solto em 05/10/64. No processo de Evlin estava escrito que ele era agitador grevista e estava preso por ordem de Aluizio Alves. Depois de liberto, Evlin foi para Brasília. Quando já estava cursando Direito, Evlin fora novamente preso pelo Exército. Durante alguns dias, a família não soube do paradeiro de Evlin. Procurando-o nos quartéis, José Fidelis Filho encontrou Evlin em um presídio, numa cela subterrânea. Desta vez, Evlin conseguiu a liberdade por intermédio de advogados. Evlin conseguiu concluir o curso de Direito e não mais fora preso durante a ditadura militar. Interessante observar que, praticamente toda a população de Caicó naquela época seguia o senador Dinarte Mariz, na Arena Vermelha. Dinarte era o principal chefe político de Caicó, um homem muito influente de destaque nacional. Na Arena Verde, apesar de não fazer nenhuma oposição explícita, estava um político mais progressista que era Manoel Torres, ligado politicamente ao Monsenhor Walfredo Gurgel. No ano de 1972, Manoel Torres foi eleito prefeito de Caicó. A derrota da Arena Vermelha resultou em sérias acusações, que o senador Dinarte Mariz fizera contra Manoel Torres. Manoel Torres relatou que: “(...) ele [Dinarte Mariz] denunciou que eu tinha sido eleito com o voto dos comunistas. Mesmo não sendo comunista, mas compactuava com os comunistas (...) Aí eu fui chamado aqui ao exército, fui me defender no diretório da Arena em Brasília, provando que não era comunista”.xv Por muitas vezes Manoel Torres foi chamado a prestar depoimento no exército, as acusações que Dinarte fazia era muito fortes, num período em que comunista estava marcado para ser extinto do cenário político brasileiro. Se as acusações de Dinarte Mariz contra Manoel Torres fossem levadas mais adiante, o mínimo que poderia acontecer com Manoel Torres era ser preso, ter os direitos políticos cassados e, se possível, partir para o exílio. Interessante observar que durante a ditadura, os políticos utilizaram bastante da artimanha de acusar seus adversários de chapa de alguma atividade subversiva, de modo a eliminar a concorrência, objetivando permanecer sempre no poder local e nacional. A sociedade de Caicó, por ser muito conservadora, não chegava a falar publicamente contra ditadura militar, eram acomodados em termos de questionamentos, em um ponto eram justificados porque temiam a prisão, por outro era devido estarem influenciados pelo senador Dinarte Mariz, fiel defensor do regime. Devido o rádio não divulgar abertamente os abusos praticados pelos militares, a população ficava alheia a certos acontecimentos. Os movimentos oposicionistas nunca foram bem vistos por aqueles grupos mais tradicionais, que viam os progressistas como “os subversivos”. O senhor João Massilon relatou que um dia o Dr. Milton Marinho foi ao 1º BEC conversar com o comandante e percebeu que lá havia uma ficha com nomes dos comunistas de Caicó e, entre os citados anteriormente, estavam alguns membros da Igreja Católica, como Dom Manuel Tavares, Pe. Itam Pereira, Pe. Balbino, Pe. Valeriano, Pe. Ione, Pe. Zé Goron. Eram padres que faziam parte da ala mais progressista da Igreja, que tinha um posicionamento um pouco crítico contra os crimes praticados pelos militares. Basto Viola afirma que tenente Gerson tinha raiva de Pe. Balbino e de Pe. Valeriano, porque eles falavam dos absurdos que os militares cometiam. Então, tenente Gerson os denunciava ao comandante, chegando a comentar na cidade que iriam ser alguns padres presos. O bispo Dom Manuel Tavares era um homem politizado e de posições; mesmo sendo respeitado pela sua hierarquia, não deixou de ter seu nome fichado. João Massilon relatou que, certo dia, numa missa, o bispo estava falando em reforma agrária mais por questões de desigualdades sociais e, pedia a quem tivesse muita terra que cedesse um pedaço a quem não tinha para poder trabalhar. João Massilon conta que disseram: “o bispo já virou comunista também.xvi Já o médico Oberdam Damásio Santos, que pertenceu ao movimento estudantil, relatou que: “Dom Manuel era revoltado porque ele sabia nos documentos internos da Igreja que torturavam freiras, uma vez ele deu um depoimento a mim e a Rui e ele disse: Olhe Rui, Oberdam, não é possível estão dando choques nas vaginas das freiras, estão prendendo nossos padres e dando choques nos testículos, isso é um absurdo!” (ARAÚJO et al,1999.) Sabedor desses fatos, os padres não poderiam compactuar com um regime deste. Na década de 60, Caicó só tinha uma rádio que era a Emissora Rural de Caicó, pertencente à Fundação Educacional Santana e dirigida por membros da Igreja Católica. A programação da Emissora Rural recebia sempre advertências por parte dos militares. Quando o AI-5 decretou a censura aos meios de comunicação, toda a programação da Emissora Rural era enviada a Natal para a Polícia Federal averiguar. Havia uma lista negra de discos de cantores mal vistos que não poderiam ser tocados na rádio, era uma ordem federal, pois o governo impedia que aqueles discos se transformassem em veículo de ensino, protesto e conscientização política. A Rádio Rural, muitas vezes, deu mostras de oposição ao regime. Monsenhor Ausônio Tércio de Araújo, diretor da Rádio Rural, relatou que: “(...) aos poucos a gente ia criando uma nova linguagem, a linguagem de oposição, sem palavra de oposição entendeu? Os noticiários não eram a favor do governo, mas não era contra (...) Algumas notícias não eram colocadas (...) Outras eram colocadas não no realce que o governo queria (...) e quando se era obrigado a dar certa notícia dizia mesmo assim: essa notícia foi recebida da secretaria tal, do ministério tal”. (ARAÚJO et al, 1999.) Em fins dos anos 60 e início dos anos 70, a Rádio Rural foi o veículo de divulgação mais abrangente do movimento político estudantil, sendo por muitas vezes repreendida pelo exército. Agenor Maria : As razões para sua Visibilidade Política A realidade política do Rio Grande do Norte, após a década de 60, começou a sofrer grandes transformações no cenário político e econômico do estado. A cotonicultura e a pecuária principais atividades econômicas desenvolvidas no Rio Grande do Norte, eram a base de apoio às oligarquias do estado. No entanto, essas atividades passaram a sofrer constantes quedas na sua produção. O algodão mocó principal produto na renda do sertanejo norte-rio-grandense, já não conseguia “sobreviver” a tantos problemas econômicos e sociais que assolavam o Nordeste brasileiro. O alto custo e a falta de uma política de assistência aos produtores do algodão mocó, acabou causando a indisponibilidade dos trabalhadores rurais, gerando assim o desemprego do homem do campo. Dessa forma, a zona rural começava a se descapitalizar sem que a elite política do estado, se preocupasse em tomar medidas políticas urgentes e enérgicas de combate aos efeitos causados pelo descaso dos governos anteriores. Na década de 60, o Rio Grande do Norte passava por uma série de crises políticas, agravada pelo conflito entre aluizistas e dinartistas que brigavam pelo poder político do estado. As várias crises políticas vividas pelo Rio Grande do Norte, refletiram e deixaram profundas marcas no estado. As dificuldades econômicas e sociais levaram a imigração dos norte-rio-grandenses e, em especial do povo seridoense a estados do Sul do Brasil, à procura de melhores condições de vida. É interessante ressaltar que em meio a tantas crises políticas, os grupos de poder no estado se revezavam para continuar à frente da política governamental sem maiores transformações ou efeitos sociais no cenário do Rio Grande do Norte. Diante desse quadro, começaram a surgir no interior do estado, figuras políticas de significativa importância e de grande representatividade. Na região Seridó, surgiu uma figura aparentemente inexpressiva e de pouco envolvimento político: Agenor Maria. Agricultor e sindicalista rural, Agenor Maria começava a despontar na política do Rio Grande do Norte no final da década de 50 quando estava acontecendo no Rio Grande do Norte um acirramento entre Aluízio Alves e Dinarte Mariz principais líderes políticos do estado. Anteriormente, o quadro político do Rio Grande do Norte era de grande tranqüilidade, resultante da amizade política entre Aluízio Alves e Dinarte Mariz como bem relata Sérgio L. Bezerra TRINDADE: “... Essa frutífera amizade política perdurou até a segunda metade da década de 50, quando a UDN elegeu, aliada ao PSD, Dinarte Mariz para o Senado, e, em 1955, elegeu o mesmo Dinarte para o governo do estado. O rompimento político entre Aluízio Alves e Dinarte Mariz, quando se aproximou a sucessão do último governo do Rio Grande do Norte, lançou o estado numa das mais acirradas – e mais longas – radicalizações políticas de todos os tempos”. ([S. d.] p. 11). Evidentemente que com toda essa turbulência política, algumas figuras que até aquele momento encontravam-se no anonimato do cenário político do Rio Grande do Norte, aproveitaram e lançaram seus nomes como alternativa ao jogo de cartas marcadas da política do estado. Dessa forma, Agenor Maria apareceu como outra opção, representando a figura do trabalhador rural do Seridó. Obviamente que Agenor Maria utilizou um discurso de defensor do trabalhador rural e, dessa maneira conseguiu motivar as massas populares com seu “jeito simples e humilde”. Política partidária entre as décadas de 60 e 70: Maias, Alves e o inesperado Agenor Maria O estado do Rio Grande do Norte no início dos anos 60 viu surgir um novo líder político no seio da UDN que representava uma ameaça para Dinarte Mariz. Aluízio Alves apareceu na política potiguar como líder político principal, renegando o papel de coadjuvante da UDN, que mais tarde terminaria com o rompimento Aluízio Alves/Dinarte Mariz, dando novos rumos à história política do Rio Grande do Norte: “O rompimento entre Aluízio Alves e Dinarte Mariz fixou definitivamente a divisão do estado entre essas duas lideranças políticas, iniciando-se uma nova fase de radicalização política no Rio Grande do Norte” (Caderno de História, julho de 1996). As divergências políticas continuavam a existir no ambiente político estadual quando ocorreu o Golpe de Estado em 1964 que rompia a normalidade nacional e estadual. Cassado em 1969, Aluízio Alves não se afastou da política norte-rio-grandense, tendo em vista que o mesmo continuou por trás da “cortina” ditando as normas da política estadual: “Aluízio Alves revitalizou o MDB potiguar, dando-lhe forças para enfrentar a ARENA. Além do mais, participou da escolha de três governadores indiretos (Cortez Pereira, Tarcísio Maia e Lavoisier Maia)” (TRINDADE apud MACHADO, 1995, p. 79). Em 1978, o quadro político do Rio Grande do Norte foi marcado por acordos e combinações políticas que deixou a grande maioria do eleitorado norte-rio-grandense um tanto confuso. Com a cassação de Aluízio Alves, os primeiros anos do governo de Tarcísio Maia receberam ferrrenhas críticas e severa oposição à administração do segundo governador do Rio Grande do Norte indicado pelos militares. No entanto, no final de seu governo, Tarcísio Maia conseguiu fazer um acordo, como já frisamos, que ficou conhecido como “Paz Pública” celebrado com os Alves, cujo líder maior estava cassado, mas que era dono de um dos maiores meios de comunicação do estado, a Rádio Cabugi, que passava a dar todo apoio ao seu governo. A Rádio Cabugi mudava de posição para favorecer a política de administração estadual, causando um grande descontentamento aos seus ouvintes que não conseguiam entender o que estava se passando no cenário político do Rio Grande do Norte, haja vista que, quando todos achavam que Aluízio Alves voltaria a defender o MDB, partido que lhe acolheu, ele passou a apoiar os candidatos da antiga ARENA, antes adversários políticos. O Rio Grande do Norte, estado pequeno e dependente dos recursos provenientes do governo federal, durante o início da Ditadura Militar, passava por uma contínua turbulência política, graças à instabilidade política advinda do período pós-Revolução de 30, como também em virtude da disputa entre as principais correntes políticas no estado: aluizistas e dinartistas. O rompimento de Aluízio com Dinarte Mariz, proporcionou a divisão do estado entre duas lideranças políticas que marcariam a fase de radicalização no Rio Grande do Norte. Essa divisão política no estado dificultou a possibilidade de surgimento de novas lideranças política no estado que viessem a ameaçar o predomínio político de ambos. No entanto, surge na região Seridó uma figura política sertaneja que passa a ter significativa presença no cenário político estadual e, posteriormente ao nível nacional: Agenor Maria. Irregularidades e mais irregularidades desnorteavam a política do Rio Grande do Norte em meio aos problemas e a divisão de uma política partidária que corroia o quadro político e social dos norte-rio-grandenses: “... A instituição do bipartidarismo no Brasil e a vinculação de Aluízio e Dinarte aos militares em 1964, motivou-os a ingressarem no partido governista, a ARENA. O ambiente político no estado permanecia agitado, principalmente após a eleição de 1965. Dinarte e Tarcísio Maia foram batidos pelos candidatos aluizistas, Walfredo Gurgel e Clóvis Mota” (MACHADO, 1995, p. 81). Homem de pouco estudo e de uma simplicidade singular, mas dono de uma retórica persuasiva, permitindo-lhe discutir sobre qualquer assunto relacionado à política norte-riograndense, Agenor Maria chegou à Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte pela UDN com o apoio do líder político seridoense Dinarte Mariz. Evidentemente que o Rio Grande do Norte e em especial a região Seridó, sonhavam com um representante público à altura de seus anseios quando Agenor Maria, um agricultor de pouca instrução educacional, apareceu na política norte-rio-grandense. À experiência de Agenor Maria como vereador em sua terra natal (São Vicente), lhe proporcionou para empreitadas maiores um certo conhecimento e desenvoltura política. Nesse contexto, vale salientar que o “inexpressivo” Agenor Maria permanecia na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte como representante fiel e em defesa do agricultor frente ao regime militar que calava a boca e reprimia políticos e intelectuais por todo o país. Neste sentido, Agenor Maria ia se tornando um político de renome no cenário político estadual. Sua luta na Assembléia Legislativa em defesa do pequeno produtor rural, despertava credibilidade da população e dos líderes políticos do Rio Grande do Norte. Apesar de sua aproximação com o homem do campo, Agenor Maria não conseguiu assumir o papel de líder principal da política norte-rio-grandense, pois seu trabalho como deputado estadual não foi suficiente para elevá-lo a deputado federal em 1966, ficando na suplência por falta de um maior apoio por parte de seu correligionário e líder político Dinarte Mariz. Acolhido pelo MDB que tinha como líder político Aluízio Alves, principal oposicionista de Dinarte Mariz, Agenor Maria assumiu a cadeira de suplente de deputado federal em 1968 com objetivos fundamentais no que se refere a uma política “revolucionária” de assistência social aos menos favorecidos sem preocupar-se com qualquer norma de seu partido ou líder maior Aluízio Alves. Jardim do Seridó: uma industrialização diversificada Conforme o exposto no capítulo anterior, a ocupação do espaço interiorano do Rio Grande do Norte se deu em decorrência do crescimento da pecuária bovina que, em função de seu caráter extensivo, necessitava de espaço para o seu desenvolvimento. Foi com base nesse fundamento da expansão do criatório que o “Sertão do Seridó teve o seu povoamento deflagrado” (MORAIS, 1999, p.36). Considerando as fontes que tratam dessa questão constatamos que, o povoamento do interior, em especial do sertão do Seridó, se efetivou no transcurso da primeira metade do século XVIII, logo depois dos representantes da leva colonizadora terem vencido as hostilidades indígenas preconizadas na chamada Guerra dos Bárbaros11. Foi exatamente no momento da efetivação colonizadora que um português de nome Antônio de Azevêdo Maia, casado com a paraibana Josefa Maria Valcácer de Almeida Azevêdo, rumou para a ribeira do Seridó onde “comprou terras e construiu grande prole” (AZEVEDO, 1988, p.17). O filho mais velho do casal que, também se chamara Antônio de Azevêdo Maia “casou-se, por volta de 1767, com Micaela Dantas Pereira. Adquiriu por compra, na década de 1760 a 1770, ao Sargento-mor Alexandre Nunes Maltez, de Igarassu, Pernambuco, a fazenda “Conceição”, daí passou a ser “Conceição do Azevêdo” em homenagem ao novo proprietário. Era formosa terra, de muito pasto para criar. (AZEVEDO, 1988, p.20). Dessa forma, torna-se evidente que, foi a partir da bovinocultura que foram firmadas as bases para o surgimento de um aglomerado humano que, de fazenda, passou a categoria de vila “com o nome de Jardim, sede do município desse mesmo nome, sendo instalada a quatro de julho de 1859, quando funcionou, pela primeira vez, a Câmara Municipal”. (RN/ECONÔMICO, 1981, p. 68). Seguindo a mesma tendência de crescimento e, com o avanço de outras atividades econômicas, a Vila Jardim fora elevada à categoria de cidade no dia 27 de agosto de 1874, através da lei provincial nº 703, que, entre outras providências, instituía “o nome de JARDIM DO SERIDÓ, para se distinguir de Jardim de Angicos, no mesmo estado” (AZEVEDO, 1988, p. 49). À medida que ocorria o desenvolvimento da estrutura econômica do município – inicialmente alicerçado no criatório – foram sendo geradas as necessidades que propiciaram o surgimento das primeiras unidades de manufatura. Essas rústicas unidades manufatureiras, dos tempos em que predominava a bovinocultura extensiva, eram voltadas, mais especificamente, para o curtimento de couro, como forma de fabricar muitos dos artefatos utilizados no trabalho ou, até mesmo, como utensílios domésticos. Quanto ao criatório sabe-se também que, por seu caráter extensivo, era praticado “em comum, com a diferença apenas do ferro. Cercas apenas as dos currais, ou para separação da agricultura de subsistência”. (RN/ECONÔMICO, 1977, p.44). Quando falamos em agricultura de subsistência devemos estar atentos para o fato de que, aos poucos, a medida que aumentava a população, crescia a necessidade de maior produção como forma de fornecer os produtos básicos para suprir as exigências de sobrevivência do elemento humano. Com isso, começaram a surgir não apenas os excedentes, como também os primeiros instrumentos de beneficiamento de produtos agrícolas que tinham por objetivo principal, transformar esses produtos de maneira a torná-los mais aptos ao consumo humano. Aos poucos foram surgindo as primeiras casas de farinha e, nas áreas de terras mais férteis, surgiram também engenhocas de rapadura e, até mesmo, de fabricar açúcar. Quanto às casas de farinha constatamos que, praticamente todo o equipamento de transformação da mandioca em farinha era construído a base de madeira, o que denota um caráter artesanal no fabrico desse equipamento. Não apenas o equipamento de manufatura de mandioca, como também as moendas de rapadura e, até mesmo de açúcar, eram construídas a base de “madeira-de-lei, sendo as mais usadas a aroeira e a baraúna”. (FARIA, 1963, p. 43). São raros os relatos existentes sobre o fabrico de açúcar na região. No entanto, depoimentos orais e, até mesmo, vestígios de tonéis de refinação existentes na “Fazenda Cabaceiras”, na área do município de Jardim do Seridó demonstram que, realmente ocorrera o fabrico de açúcar na região até um período bem recente12. É bem provável que o cultivo da cana-de-açúcar na região tenha ganhado conotação com a multiplicação do número de açudes o que permitiu a ascendência do cultivo de “cana à jusante dos mesmos, surgindo, aqui e acolá, engenhocas” (FARIA, 1963, p.43). Foi apoiada no avanço da pecuária, secundada pela agricultura de subsistência, que foram surgindo as primeiras fazendas que, se espalharam pelas ribeiras mais férteis do município. Fazendas essas, que ganharam maior consistência a partir do momento em que o algodão começou a expandir-se de maneira a ter vindo a se tornar o grande condutor da economia do município – e da região – a partir da segunda metade do século XIX, até por volta dos últimos anos da década de 1970. Assim como os demais produtos já citados, o algodão também passou a ser beneficiado através de um processo que consistia em separar a pluma da semente. Se considerarmos as palavras de Cortez Pereira, o beneficiamento de algodão no Seridó foi o grande “passo em favor da industrialização” no Rio Grande do Norte. Em referências feitas ao beneficiamento de algodão no capítulo anterior constatamos o crescimento dessa atividade nas grandes propriedades do Seridó e, percebemos que, por volta dos primeiros anos do século XX, o município de Jardim do Seridó surgia como um dos principais centros no que tange ao beneficiamento da malvácea. Em 1910 o município dispunha do maior número de bolandeiras – possuindo 28 mecanismos do tipo mencionado – e 09 locomóveis, igualando-se a municípios de maior porte, como é o exemplo de Caicó. Foi também por aquele momento que começava a ganhar destaque a figura humana de João Medeiros que, no decurso do século XX, conseguiu se destacar como uma das grandes personalidades da indústria no Seridó e, no Estado do Rio Grande do Norte. O coronel João Medeiros – como era conhecido – nasceu no dia 27 de março de 1888, na Fazenda Passagem de São João, situada próxima ao local onde – em épocas invernosas – se alternam as águas dos rios Seridó e Acauã, no município de Jardim do Seridó. “No início do século, João Medeiros já manifestava sua vocação para o comércio e indústria, estabelecendo-se na região seridoense com comércio de couro – seu aproveitamento e beneficiamento”. No decorrer da década de 1910, João Medeiros ingressou na atividade comercial de bens de consumo tendo adquirido em 1912 “uma mercearia das mais sortidas da cidade”. (REVISTA JARDIM DO SERIDÓ, 1978, p.10). A partir da década de 1920 João Medeiros “iniciava a sua atividade algodoeira, participando da compra e venda do algodão, que era transportado em burros para o comércio exportador de Campina Grande”. (REVISTA JARDIM DO SERIDÓ, 1978, p.10). Como bem sabemos Campina Grande era, na época “o centro convergente da produção de algodão (...) nessa parte do Nordeste13”. Vale aqui ser ressaltado que o comércio algodoeiro no Seridó era bastante vantajoso pelo fato de que, o algodão era vendido descaroçado. O depoimento a seguir explica claramente os fatores que proporcionavam essa vantagem: “o que o seridoense fazia? Descaroçava (o algodão) nas suas bolandeiras, nos seus locomóveis, nos seus motores de descaroçar e, ficava com a semente. Então (...) ele pagava menos pelo frete pra Campina Grande porque só levava aquilo que ele vendia. O peso morto ficava. Mas, o peso morto não era morto!. O peso morto (o caroço) se transformou no grande apoio do binômio algodão – gado”.14 A semente apresentava-se com um rico suporte protéico para o gado que, no momento, era a atividade na qual se apoiavam os grandes proprietários no período da entressafra algodoeira. O comércio algodoeiro, e outras atividades do mesmo ramo, proporcionaram ao coronel João Medeiros os recursos suficientes que o permitiram adquirir, nos primeiros anos de 1930, a Fazenda Seridó15 que, foi transformada, nos anos posteriores, em “uma das melhores e mais bem organizadas do Estado” (REVISTA JARDIM DO SERIDÓ, 1978, p.10), onde a cultura algodoeira aparecia como atividade preponderante. No entanto, o grande passo do coronel João Medeiros – e, que contribuiu decisivamente para que o município de Jardim do Seridó caminhasse pelas veredas do industrialismo – fora dado em 1936 com a fundação da firma MEDEIROS & CIA, “cuja atividade principal era a compra e beneficiamento de algodão”. O estabelecimento da “Usina Seridó” se deu exatamente no momento em que se configurava o processo de transição entre os locomóveis – localizados nas fazendas – e as usinas que, passavam a ser concentradas em áreas com algum indício de urbanização. O crescimento da atividade de beneficiamento de algodão, alimentado pelas grandes safras obtidas na Fazenda Seridó a partir da década de 1940, permitiu a diversificação das atividades da algodoeira. Em 1949 era instalada em Jardim do Seridó “uma fábrica de óleo de caroço de algodão, matéria-prima destinada às refinarias de Recife”. Foi também na passagem da primeira para a segunda metade do século XX que a algodoeira Medeiros & Cia introduziu o beneficiamento de torta de algodão dando demonstrativos de que, em Jardim do Seridó estava decretada a generalização das usinas, coincidindo com a maioria das demais zonas produtoras e beneficiadoras da região que, naquele instante, também atingiram esse estágio. Posteriormente, foi instalada em Jardim do Seridó, pela mesma empresa citada, uma refinaria de óleo de caroço de algodão com o objetivo de aproveitar a mesma matéria-prima que antes era exportada para outros centros. “Surgiam, assim, os óleos comestíveis Mavioso e Algol, de grande aceitação no mercado consumidor do Nordeste”. (REVISTA JARDIM DO SERIDÓ, 1978, p.10). Dessa maneira, torna-se evidente que foi a partir da industrialização da produção algodoeira – pluma e caroço – que a firma “Medeiros & Cia” conseguiu atingir, ainda no transcurso dos anos 50, a categoria de uma das usinas mais estruturadas do Rio Grande do Norte, dispondo de amplas perspectivas de mercado. Enquanto a firma Medeiros & Cia seguia os rumos da industrialização em escala mais acentuada, outras atividades no setor secundário, eram planejadas para serem postas em prática em Jardim do Seridó. Nos primeiros anos da década de 1960 – mais especificamente em 1963 – entrava em atividades a empresa CAFÉ ICLA LTDA. que exercia a atividade de torrefação e comercialização da marca “Icla”16. Nos primeiros anos de fabricação o Café Icla era vendido apenas na praça de Jardim do Seridó, sendo comercializado nas mercearias da cidade e da zona rural. Por volta de 1975 a empresa estendeu o comércio do seu produto para outros municípios do Seridó, o que permitiu aumentar a produção e, gerar mais empregos na zona urbana do município. Considerando as informações que nos foram repassadas, na década de 1970, o Café Icla tinha em torno de 05 operários. Apesar de não ser uma grande empresa do ramo de torrefação, o Café Icla conseguiu penetrar no mercado regional, competindo em pé de igualdade com outras marcas da região e, até mesmo com marcas maiores, de outros centros, que passaram a colocar seus produtos no mercado seridoense. Foi também no ano de 1975, quando o município de Jardim do Seridó começava a se consolidar como sendo uma área de relevância industrial, a nível regional, que fora constituído o grupo empresarial COMERCIAL MANOEL PAULINO LTDA. Este grupo é formado pelos descendentes do antigo comerciante Manoel Paulino dos Santos que, atuara em Jardim do Seridó na primeira metade do século XX na atividade de mercearia, tendo sido também comerciante de tecidos e outros artefatos de vestuário. Posteriormente, a empresa passou a ser gerenciada por seu filho Manoel Paulino dos Santos Filho que, além de manter a antiga linha comercial de seu pai, introduziu também a comercialização de outros tipos de produtos, entre os quais se destacava a venda de materiais de construção. De acordo com informações colhidas, a partir do momento em que fora estabelecido o grupo familiar Comercial Manoel Paulino Ltda, as atividades foram estendidas para outros ramos entre os quais se enquadrava o comércio e, posteriormente, o beneficiamento de arroz e milho; produzindo ainda farelo de milho, fubá, ração balanceada e óleos vegetais de caroço de algodão e babaçu. Em 1980, foi fundado um pequeno parque industrial para o beneficiamento de todos os produtos acima mencionados. Segundo depoimento que nos foi concedido, o fabrico de ração balanceada era mais acentuado nas épocas de estiagem. O depoente nos afirmou que “o segmento de ração balanceada era direcionado para manutenção e engorda de bovinos17”, sendo que havia um crescimento na demanda de produção “a partir do mês de julho, com ascendência maior nos meses de outubro, novembro, dezembro e janeiro18. Quanto aos anos de estiagem da primeira metade da década de 1980 nos fora afirmado que o segmento de ração balanceada chegou a funcionar pelo período consecutivo de seis meses sendo que, nos meses de pico, o segmento funcionava 24 horas por dia, “parando só aos domingos pra manutenção19”. Quanto ao fabrico de óleo nos foi dado o seguinte depoimento: “Funcionamos com óleo vegetal feito de caroço de algodão e óleo vegetal de babaçu (...). Tínhamos também anexo a essa atividade o beneficiamento de arroz que era trazido do Maranhão juntamente com o babaçu20”. De acordo com o que nos fora relatado, esses dois últimos segmentos citados funcionavam consecutivamente, ou seja, durante todo o período do ano21. Considerando a análise exposta, admite-se a existência de fundamentos suficientes para a defesa da proposição de que Jardim do Seridó passou a constituir, a partir da década de 1970, um pólo de desenvolvimento industrial no Seridó. No entanto, indispensável se faz uma referência ao grande condutor desse crescimento, que foi exatamente a diversificação industrial do grupo empresarial MEDEIROS & CIA22. Como bem mencionamos anteriormente, o crescimento da firma “Medeiros” fora alicerçado na produção e beneficiamento da cultura algodoeira. Todavia, no transcurso dos anos de 1960, a produção e beneficiamento do algodão começava a apresentar nítidas amostras de uma decadência próxima. Decadência essa, que se confirmou no decurso dos anos 70. “As causas foram muitas. A precária estrutura de produção e as condições de comercialização no Estado não resistiram à freqüente oscilação dos preços do algodão. Verifica-se que a maior causa foi essa da instabilidade dos preços da malvácea. Esse segmento da economia norte-rio-grandense passava a se submeter à uma situação de pânico, mostrando a fragilidade de uma estrutura que dependia de algumas variáveis para compatibilizar sua produção às forças do mercado. Essa crise não só prejudicava diretamente os industriais do ramo, mas todas as áreas produtivas ligadas ao segmento algodoeiro do Estado”. (SANTOS, 1994, p.203). É certo que, como uma empresa sólida, Medeiros & Cia ainda conseguia se manter como uma das maiores algodoeiras em funcionamento no Estado do Rio Grande do Norte. Estudos feitos sobre a economia estadual no período apontam que essa sobrevivência era devido ao fato principal da empresa congregar o beneficiamento com a produção da malvácea. Entre as algodoeiras que ainda operavam no mercado de beneficiamento de algodão no Rio Grande do Norte, aparecia na lista de sobreviventes o nome de “Medeiros & Cia., com usina de beneficiamento e refinaria de óleo em Jardim do Seridó e fazendas e terras”. (CLEMENTINO, 1987, p. 220) No transcurso dos anos 60 a equipe administrativa da empresa, convicta de uma futura decadência no setor algodoeiro, tratou de diversificar suas atividades. Foi em função dessa diversificação que surgiu a CONFECÇÕES SORIEDEM em Natal. Quando foi inaugurada a Soriedem “funcionava num pequeno prédio adaptado, com 25 máquinas de costura”. Posteriormente, a indústria passou a funcionar em “um complexo industrial dos mais modernos em área de 14 mil metros quadrados na BR – 101, logo na saída de Natal, empregando 1.500 pessoas e produzindo confecções da mais alta qualidade e com aceitação em todo o país”. (RN/ECONÔMICO, 1977, p.57). Em 1971, a Confecções Soriedem figurava entre as mais importantes indústrias do Rio Grande do Norte23. A expansão das atividades da Soriedem no decorrer dos anos 70 permitiu a implantação de uma unidade de confecção de roupas masculinas no município de Jardim do Seridó. A SORIEDEM JARDIM S/A. fora instalada em 1978, tendo proporcionado uma média de 270 empregos diretos no período correspondente entre os anos de 1979 a 1983. A unidade de Jardim do Seridó voltava-se para produção de calças jeans, tendo chegado a produzir 1.000 peças por dia. Em 1979 se confirmava uma das propostas defendidas no governo Cortez Pereira24 de que, seus projetos agrícolas gerariam as condições necessárias a expansão agro-industrial no Estado. O grupo empresarial Medeiros & Cia fora beneficiado exatamente com os projetos direcionados a cultura do caju. Fora instalada em Jardim do Seridó uma unidade de industrialização de castanha, que trouxe para o grupo resultados bastante positivos. Somente no segmento de castanha, “em 1980, a empresa vendeu no mercado exterior 2 milhões e 300 mil dólares, em 1981 chegou (...) a 3 milhões de dólares”(RN/ECONÔMICO, 1981, p. 74). Em 1982 se previa que o movimento de vendas no mercado internacional poderia atingir algo em torno de cinco milhões de dólares. Segundo dados fornecidos pela própria empresa, somente o segmento de beneficiamento de castanha empregava uma média de 600 operários no período compreendido entre os anos de 1979 a 1983, valendo assinalar que, nos períodos de maior demanda de produção o número de trabalhadores empregados no setor chegava a ultrapassar a cifra de 800 operários. Com o subproduto da castanha, a indústria “Medeiros” desenvolveu métodos para o aproveitamento do Líquido da Castanha de Caju (LCC) uma substância que servia para “a composição da fabricação de tintas destinadas ao revestimento de navios, acrílico, prestando-se ainda para o pó de fricção das lonas de freio”. (IDEM). A castanha beneficiada era comercializada, prioritariamente para o mercado exterior – algo em torno de 90% do total – tendo os Estados Unidos como principal mercado de absorção da produção. De acordo com as informações que nos foram passadas existiam outros países compradores, como por exemplo “Arábia Saudita, Alemanha, França; mas, tudo negócio pequeno que não compensa se fazer. O grande comprador é os Estados Unidos25”. Por sua vez, o LCC chegou a ser comercializado para outros países da “América do Sul – Argentina, Chile, Peru e Venezuela – e países da cortina de ferro26”. (RN/ECONÔMICO, 1981, p.74). Em 1980 foi introduzido pela indústria “MEDEIROS” um segmento voltado para o fabrico de materiais de limpeza. Esse segmento colocou no mercado consumidor do Nordeste e Sudeste as marcas de sabão “Use, Algol e Sereia”. O Estado de São Paulo aparecia como principal centro de absorção desse tipo de produto. Conforme observamos nas informações dispostas sobre o avanço industrial do município de Jardim do Seridó, podemos constatar que, esse avanço ganhou maior intensidade na passagem da década de 1970 para os anos de 1980, tendo um fluxo de crescimento bem maior no período de 1981 a 1983, quando se verificou o auge dos segmentos de beneficiamento de castanha, saboaria e ração balanceada, esse último expandido em decorrência das freqüentes estiagens verificadas, principalmente nos anos de 1982/8327. Foi também no decurso dos últimos anos da década de 1970 e nos anos iniciais de 1980 que se observou um considerável crescimento urbano no município de Jardim do Seridó; crescimento esse, em grande parte, impulsionado pelo avanço industrial verificado. A tabela abaixo que trata de dados populacionais nos oferece uma idéia do crescimento urbano do município no período em menção. TABELA 03 Dados Populacionais do Município de Jardim do Seridó: 1970/1996 ANO POPULAÇÃO TOTAL URBANA RURAL 1970 1980 1991 1996 8.906 10.349 11.840 11.886 4.168 6.396 8.550 8.894 4.738 3.953 3.290 2.992 Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 1970, 1980, 1991 e contagem da população - 1996 Conforme os dados acima disponíveis, em 1970, 46,8% da população do município estava assentada na zona urbana, enquanto a população rural (53,2%) ainda era, de certa forma, predominante. No decurso dos anos 70 a população urbana passou a ser superior a rural, o que foi registrado em 1980, quando dos 10.349 habitantes do município, 61,8% estavam morando na zona urbana. A década de 1990 ratifica essa tendência, o que pode ser constatado através dos dados referentes a 1991 e 1996, quando a taxa de urbanização passa a ser de 72,2% e 74,8%, respectivamente. Nos anos anteriores a 1970, apesar da indústria já se apresentar como atividade importante no município, havia um nítido predomínio das atividades rurais que, se apoiavam na cultura algodoeira, secundada pela pecuária leiteira e de corte. Naquele momento, era comum a existência de várias famílias morando e trabalhando em uma única propriedade. O depoimento a seguir nos dá uma idéia das relações de trabalho predominantes na zona rural do Seridó: “cada um proprietário tinha, se fosse uma propriedade média era oito ou nove moradores. Se fosse uma propriedade grande era (...) cinqüenta moradores ou mais. Todo esse povo trabalhava e havia um equilíbrio econômico (...). O proprietário embasava o terreno, pagava o plantio e, daí então se estabelecia uma parceria entre o morador e o proprietário. Com isso, o morador passava a ser meeiro. Durante o ano, o proprietário ia fornecendo, toda semana, um pouco de dinheiro para o sustento do morador. No fim do ano era a feita as contas...”28 Esse sistema prevaleceu, de forma generalizada no meio rural da região, até o momento em que a cultura algodoeira começou a decair. O declínio algodoeiro coincide com a expansão industrial em Jardim do Seridó. O crescimento industrial se mostra tão considerável que, em 1980, algo em torno de 39,03% da População Economicamente Ativa29 (PEA) do município de Jardim do Seridó, estava envolvida em atividades industriais. Considerando a área do Seridó Oriental30 observamos que, das 9.767 pessoas que desenvolviam atividades ligadas ao setor secundário, Jardim do Seridó se sobressaia com 15,12% do total. Percebemos até o momento, pela análise disposta que, Jardim do Seridó se constituiu como um pólo de desenvolvimento industrial a nível de Seridó e, até mesmo, no Rio Grande do Norte. Para que se possa definir melhor essa afirmativa, basta fazer uma simples comparação com o município de Caicó que, no final da década de 1970 já era, desde muito, considerado o centro regional do Seridó. Em 1980 os segmentos industriais que mais se destacavam em Caicó eram os de: tecelagem (de rede), calçados, chapelaria (de couro) e panificação. De todos os estabelecimentos existentes em Caicó, o que mais absorvia mão-de-obra era a indústria “Dois Irmãos Indústria de Calçados Ltda., com 32 funcionários”. (MORAIS, 1999, p.174). Por sua vez, em Jardim do Seridó, apenas o segmento de beneficiamento de castanha de caju empregava, naquele momento, uma média de 600 trabalhadores. Ademais, vale assinalar que, não consideramos em nosso trabalho, a importância das indústrias de pequeno porte, como é o exemplo das movelarias, queijarias, panificadoras, sorveterias, cerâmicas, etc. Na transcorrência dessa análise observamos que, ao longo de sua trajetória econômica o município fora adequado a um patamar de desenvolvimento onde o setor industrial se sobressai de maneira significativa. Essa expansão industrial, foi em grande parte, resultado da visão empreendedora daqueles que conduziram esse processo, pois souberam no momento certo, aproveitar as potencialidades disponíveis. Conforme observamos nas fontes em que nos fundamentamos, em 1976,31 a indústria MEDEIROS & CIA., sediada em Jardim do Seridó, figurava entre as 12 empresas que mais recolhiam Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICM) no Rio Grande do Norte. Desta forma, a industrialização de Jardim do Seridó, se não pode ser considerada de grande dimensão no cenário nacional, com certeza foi bastante significativa em termos locais e regionais, de maneira a que se possa remeter-se a Jardim do Seridó como sendo um dos pólos industriais do Seridó e do Rio Grande do Norte a partir da segunda metade da década de 1970. Rumos da Política potiguar na década de 70 Em fins dos anos 70, o quadro político do Rio Grande do Norte, tomava outros rumos, haja vista que o acordo político entre os Maias e Alves tinha se rompido, e a partir daí, começava-se a registrar uma outra parte da história política norte-rio-grandense. Terminado o acordo político no estado entre essas duas oligarquias políticas. Aluízio Alves mesmo afastado do cenário político no estado, continuava a exercer uma forte influência política no MDB, tendo como finalidade obter bons resultados nas eleições que iriam ocorrer em 1974, e com isso derrubar do governo do Rio Grande do Norte a oligarquia Maia que já estava à frente do governo do estado há 12 anos apoiado pelo MDB. Aluízio Alves conseguiu desarticular o quadro político oposicionista, a ARENA, que passou a perder espaço político no estado como bem relata Sérgio Luiz B. TRINDADE: “... A ARENA potiguar perdeu espaço político. Mesmo mantendo-se vitoriosa em 1970, com a eleição de Dinarte Mariz e Jessé Freire para Senador, e elegendo Vingt Rosado, Djalma Marinho, Grimaldi Ribeiro e Antônio Florêncio como deputados federais Henrique Eduardo Alves e Pedro Lucena, sendo o primeiro o deputado mais votado do estado. Além disso, o MDB também cresceu 100% no legislativo estadual passando de três para seis deputados eleitos” ([S. d.], p. 29). O ambiente político do Rio Grande do Norte permanecia sob forte influência do regime militar quando ocorreram as eleições de 1974 em todo o país. Em meio a essa turbulência política, a ditadura militar contava como certa a vitória da ARENA no estado, porém, o governo não se dava conta que estava perdendo a base de sustentação civil devido à crise do petróleo em 1973. Por outro lado, “Os políticos e estrategistas do MDB no estado lançam um programa de sensibilização ao eleitorado de cunho de um nacionalismo econômico que atraiu parte do empresariado, um discurso liberal, criticando a falta de liberdade e a concentração de privilégios, que seduziu a classe média; a promessa de redistribuição de renda que atraiu o operariado” (TRINDADE, [S. d.], p. 30). FIGURA 4: AGENOR MARIA E ULISSES GUIMARÃES EM COMÍCIO REALIZADO NO SERIDÓ FONTE: Acervo particular da família de Agenor Maria Diante de todas essas circunstâncias na política estadual, nenhum analista político acreditava na vitória do MDB, permanecendo a ARENA como grande favorita nas eleições de 1974. A ARENA pretendia lançar o deputado federal Djalma Marinho para o Senado Federal, enquanto que o MDB, atendendo à política partidária do partido decide lançar a candidato a figura inexpressiva do ex-deputado federal Agenor Maria. A escolha do nome de Agenor Maria para o Senado, pelo MDB, de início causando espanto, tendo em vista seu “pouco” tempo na política se comparado a Djalma Marinho. Sendo o mesmo, um homem simples do interior, um feirante da cidade seridoense de Currais Novos e de pouca repercussão no cenário político nacional. Totalmente afastado da vida pública, Agenor Maria foi abordado, em uma de suas viagens comerciais, pelo deputado Henrique Eduardo Alves que o convidou a ser candidato ao Senado Federal com o apoio de toda bancada política do partido do MDB. O convite foi feito a Agenor Maria tendo em vista a recusa dos integrantes do MDB para disputar as eleições ao senado frente a Djalma Marinho, político de grande renome na política estadual. Surpreso com o convite inesperado, Agenor Maria, usa de sua coerência e diplomacia e aceita-o sem mesmo acreditar na sua vitória sobre o experiente e conceituado candidato arenista. Obviamente que diante dessas circunstâncias na política do Rio Grande do Norte, Agenor Maria resolveu atender ao convite feito em declaração repetida por seu filho José Vander de Araújo Maria: “Aceito o convite feito por você e toda bancada do partido, porém, não tenho recursos, portanto, nada tenho a perder. Serei candidato, para realmente ser uma opção da população norte-rio-grandense”1. A campanha começou sem muitas mudanças como bem comenta Sérgio André de ARAÚJO e Concessa Araújo MACÊDO: “... Agenor foi empolgando as massas, falando o linguajar do povo, sem cerimônias, de forma simples e humilde. Falando palavras que os mais pobres, os mais leigos entendiam e, isso, fazia com que o povo gostasse cada vez mais de acompanhar e prestigiar as caminhadas de Agenor Maria. Concluída a operação, o resultado apontou uma das maiores surpresas na história política do Rio Grande do Norte: Agenor Maria era eleito com uma maioria de aproximadamente 20 mil votos” (2000, p. 27). Terminada a apuração das eleições de 1974, Agenor Maria conseguiu uma vitória surpreendente sobre seu adversário Djalma Marinho, demonstrando a força política do aluizismo no estado, que agora passava a reafirmar a capital do estado como seu principal reduto eleitoral. Dessa forma, percebe-se que a maioria que a ARENA conseguiu do interior não foi suficiente para suplantar a votação conseguida pelo MDB em Natal. Portanto, a derrota da ARENA no estado poderia ter sido prevista, tendo em vista a crise política que estava ocorrendo entre o grupo de Dinarte Mariz e o de Jessé Freire como também a desorganização e a falta de um controle político no que se refere à campanha de Djalma Marinho que acabaram por enfraquecer o partido. Ainda sobre o quadro político do Rio Grande do Norte, Ilza Araújo L. de ANDRADE faz a seguinte relação: “... O candidato vencedor, Agenor Maria, era um ex-combatente que, como todo pequeno proprietário rural do Nordeste, freqüentava as feiras livres das redondezas comercializando o excedente de sua produção. Era uma liderança popular na região Seridó e foi alçado à condição de candidato do MDB quando o partido não dispunha de nenhum candidato. A força do voto urbano aparece com bastante nitidez na eleição de Agenor Maria que, dos 150 municípios do estado, vence apenas nos 30 municípios maiores, mesmo sendo um líder de origem rural. Sua vitória representava o voto de protesto urbano que, a partir de 1974, começava a se manifestar com vigor em todo o país” (1997, p. 123). Dessa forma, percebemos que a partir dos anos 70, o país começava a despertar em toda sociedade brasileira o desejo de quebrar todas as amarras políticas do Regime Militar e foi durante esse período que as antigas referências políticas começaram a perder seu espaço e sua importante identidade frente a toda população brasileira. No Rio Grande do Norte, não foi muito diferente se compararmos o quadro político estadual durante a ditadura militar quando “as velhas rivalidades familiares foram deixadas de lado para abrigar uma grande massa arenista, resultante do oportunismo político de então. Dessa forma, não foi difícil ao grupo no poder, realizar seus propósitos dessa realidade” (ANDRADE, 1997, p. 152). Desacreditado na vitória de sua eleição, Agenor Maria chega ao Senado Federal com o apoio de Aluízio Alves e de toda bancada do partido, como representante do povo norte-riograndense, com raízes fixas no Seridó. Sua vitória no MDB que aparecia como alternativa viável ao eleitorado do estado, estabelecendo assim uma ponte entre a oposição da sociedade civil reprimida, mas, acima de tudo revoltada com as regras ditadas pelos militares e a política do governo ditatorial. Assim, a vitória de Agenor Maria significava o rompimento político do governo, levando a participação das massas no que se refere a “escolha” de seus representantes políticos; e, não foi por menos que Agenor Maria, homem do povo, agricultor rural representou tudo isso. O POPULISMO NO RN As estratégias da propaganda política na campanha de 1960: Aluízio Alves X Djalma Marinho A imagem política de Aluízio Alves era permeada de contradições, uma delas era que ele se fazia representar como uma liderança política que romperia com o atraso econômico e com as lideranças políticas conservadoras, patrocinadoras desse atraso, porém, era justamente nessas forças políticas conservadoras, precisamente, na oligarquia algodoeiro-pecuária a genitora política de Aluízio Alves. Durante a campanha eleitoral de 1960, Aluízio Alves contou com uma importante arma de grande poder de persuasão junto às massas. Contratou uma empresa de publicidade para ser responsável pela estratégia propagandística de sua campanha política eleitoral. Com isso Aluízio Alves, poderia contar com o apelo “moderno” da técnica publicitária para com mais facilidade, e usando as artimanhas dos profissionais da comunicação de massas, convencer a população de que realmente representava a esperança de mudança, pois, essa empresa de publicidade encarregava-se de assegurar essa nova imagem política. A participação de uma empresa de publicidade na campanha eleitoral de um político nunca ocorrera antes na História Política do Rio Grande do Norte, tendo sido Aluízio Alves nas eleições de 1960 o responsável por essa inovação. Outra marca característica da campanha de Aluízio Alves, foram inflamados discursos que proferia em seus comícios. Nesses discursos Aluízio Alves intensificava a sua imagem de redentor do povo sofrido, único representante da esperança dos fracos e desesperados. Esses discursos emocionavam e empolgavam os eleitores. Fo mais uma inovação de Aluízio Alves, que aclamava-se junto ao povo, não só como um líder, mas como também herói. Por outro lado, Aluízio Alves utilizou-se bastante de seu jornal “A Tribuna Norte” como forma de divulgar ostensivamente a sua campanha. O “candidato da esperança” marcava presença também no rádio, em um programa que apresentava na Emissora de Rádio Poty, intitulado “Conversa com o Povo”, onde fazia menção aos comícios passados, reavivando a paixão de seus eleitores conclamando a adesão a sua luta pela vitória, além de proferir veementes discursos. Em toda estas divulgações da campanha de Aluízio Alves, a esperança e a cor verde tornaram-se símbolos para gestos e metáforas. Assim chamavam-no de “candidato da esperança”, os dias da eleição era o “dia da esperança”, “Caravana da Esperança”, “Cruzada da Esperança”, “Trem da Esperança”. As músicas de campanha estavam contaminadas por esses bordões. Como veremos no próximo link. A campanha dos candidatos oficiais da UDN, Djalma Marinho e Vingt Rosado, tinha como peça propagandística de maior apelo visual apenas as letras “DV”. Foi uma campanha realizada nos moldes mais tradicionais, sem atentar para a moderna linguagem dos meios de comunicação de massas. Nem mesmo utilizaram a música ou qualquer outro tipo de propaganda a não ser os cartazes com as fotos oficiais dos candidatos.. Enquanto isso a campanha Cruzada da Esperança de Aluízio Alves ganhava a adesão do povo cada vez mais, chamando a atenção da grande imprensa nacional, demonstrando que o contato de Aluízio Alves com os seus eleitores lhe rendeu uma grande liderança carismática no melhor estilo que um líder populista poderia desejar. A passeata que Aluízio fez a pé de Natal até Macaíba com uma multidão de partidários conduzindo mamões verdes ou bananeiras – é bom que se diga que a arborização pública ficava em risco sempre que as passeatas “do verde” passavam - , demonstrou de forma inequívoca a força deste candidato, isto fez ver que a sua liderança junto ao povo o fazia um dos políticos mais influentes do Estado nas décadas seguintes. O Populismo no Rio Grande do Norte: a política potiguar entre as décadas de 50 e 60 O populismo no Brasil surge no contexto político da Revolução de 30, esteado na figura de Getúlio Vargas e os políticos a ele associados. Desde 1930, pouco a pouco, vai se estruturando esse movimento político. Ao lado de ações políticas particulares desenvolveu-se a ideologia e a linguagem do populismo no Brasil. No momento em que os governantes atendem a uma parte das reivindicações do proletariado urbano, ao mesmo tempo vão se elaborando as instituições e os símbolos populistas. Com isso, formaliza-se o mercado de força de trabalho no mundo urbano industrial em expansão: “O populismo, no caso do Brasil, se caracterizou fundamentalmente por representar uma época histórica que se inicia com a revolução de 30 e se estende até o golpe de estado em 1964. Como forma de governo, o populismo buscou orientar os anseios populares”. (DIAS, 2002, p. 4) Assim, pode-se afirmar que a entrada das massas no campo das estruturas de poder foi legitimada por intermédio dos movimentos populistas. Corresponde, portanto, a uma parte fundamental das manifestações políticas que ocorrem numa fase determinada pelas transformações verificadas nos setores industrial e agrário, ligada à dinâmica da urbanização e ao desenvolvimento do setor terciário da economia brasileira. A esse respeito, escreve Francisco Correia WEFFORT: “O populismo é, por certo, um fenômeno de massas. Mas, tem o sentido preciso de que classes sociais determinadas tomam, em dadas circunstâncias históricas, a aparência de massa. Faz-se necessário, com efeito, que amplos contingentes da população operária e pequena-burguesia se encontrem em condição de disponibilidade política; ou seja, faz-se necessário, em países de formação agrária como o Brasil, que o desenvolvimento social em geral tenha conduzido, quando menos, a algum tipo de distinção efetiva entre a dimensão política e as demais dimensões presentes nas relações sociais. Esta condição geral do populismo como fenômeno político – ou seja – a necessidade de uma relação especificamente política entre os indivíduos e o poder que no caso do populismo toma a forma de uma relação entre o poder e uma massa de indivíduos politicamente isolados entre si”. (1984, p. 27) O populismo consegue ser implantado no Brasil em um momento de grande efervescência no meio político e social sendo assim, a forma política assumida pela sociedade de massa no país. Seus líderes eram homens provenientes de grupos políticos como também de partidos políticos de esquerda. Na maioria das vezes esses líderes populistas eram burgueses que dominavam o cenário político, econômico e social; controlavam os aparelhos burocráticos dos partidos e organizações comprometidas com a política de massas. Em geral, eram possuidores de uma linguagem demagoga, mais bem sucedidos junto às massas. Alguns alcançaram a categoria de personalidades carismáticas que faziam desses líderes pessoas “legítimas” capazes de solucionar os problemas sociais da “nova sociedade brasileira”. O populismo, portanto, corresponde a uma conjuntura que presenciou a crise dos sistemas agro-exportadores e por conseqüência do esquema de dominação oligárquica em vigor. Os regimes populistas, apareceram como sistemas de transição que se esforçavam para integrar-se às classes populares na ordem social e política por meio de uma ação do estado, voltada principalmente para setores considerados perigosos (organizações de operários rurais e urbanos). Sendo assim, o termo “populista”, designa um estilo de governo paternalista e ao mesmo tempo autoritário, em que o clientelismo das massas se mostra fundamental para a manutenção deste tipo de estado. No caso específico do RN, eventualmente, as eleições de 1960, ocorreram numa expressão de crise do domínio oligárquico do Estado e que havia uma conjuntura que favorecia a implantação do populismo no Estado no decorrer das eleições do corrente ano. Tal conjuntura, faz supor que o processo de industrialização em parte influenciada pela criação da SUDENE em 1959, como também ao rápido crescimento populacional urbano e, mais especificamente de Natal, tinha demandado esta nova realidade histórica. Evidentemente, que o populismo consegue se implantar no RN no momento de crise da política oligárquica coronelista estadual em meio às aspirações das camadas populares. Faz-se necessário salientar, que Aluízio Alves surge como figura populista norte-rio-grandense capaz de mobilizar grande parte da população estadual. A respeito desse momento escreve Henrique Alonso PEREIRA: “... Aluízio Alves representou a figura de um líder populista, na medida em que, nas eleições de 1960, tornou-se porta-voz desses setores populares emergentes. Sua candidatura ao Governo do Rio Grande do Norte conseguiu obter um número significativo de adesões. Conseguiu o apoio dos sindicatos rurais, do movimento nacionalista, de Djalma Maranhão (liderança nacionalista de grande expressão na capital) e até dos comunistas, que atuavam na ilegalidade”. (1996, p. 16) Não há a menor dúvida que Aluízio Alves, ligado originalmente aos setores oligárquicos, demonstra nas eleições de 1960, a força modernizadora como também a nova mentalidade que se tentava impor no Nordeste. Assim, como em vários outros estados do Brasil, o populismo conseguiu se instalar no RN como estilo de governo, sempre atendendo as pressões populares. O Rio Grande do Norte presenciava uma das mais agitadas e contagiantes campanha política como bem analisa Ana Patrícia DIAS: “A campanha de Aluízio Alves, na busca pelo governo, desenvolveu-se num clima de muita agitação política, como também atingiu o clima de paixão política jamais visto no Rio Grande do Norte... Aluízio Alves, nesse sentido foi um inovador. Além de se comunicar muito bem com o seu eleitorado, utilizou todos os recursos disponíveis que estavam ao alcance para tornar-se o mais conhecido possível da população norte-rio-grandense”. (2002, p.5) Os acontecimentos políticos, econômicos e sociais ocorridos no Brasil no séc. XX, foram fatores que contribuíram para a ruptura política dos setores oligárquico que apoiaram o movimento populista no Estado. Após a década de 50. A partir desse momento, Aluízio Alves passa a quebrar os laços de amizade com aqueles que o apoiaram em 1960, passando a reatar as velhas práticas da política conservadora e oligárquica, antes condenadas. Em conseqüência, a essa política no final de seu governo, Aluízio Alves, reelaborava uma nova política governamental objetivando fazer uma “reforma administrativa”. Diante dessas novas medidas que iam bater de frente com a organização dos movimentos populares, a realidade brasileira como também do estado do RN encontrava-se a espera de uma decisão por parte do governador do estado. Assim como ocorreu em todo o país, as forças político-militares que deram total apoio ao golpe de 1964, Aluízio Alves aderiu aos militares conseguindo com isso fazer seu sucessor, o monsenhor Walfredo Gurgel, seu vice-governador. Obviamente, que iniciado o governo dos militares no país, o líder populista do RN, Aluízio Alves, não encontrou outra saída que não se juntar a eles. Com relação a esse momento escreve PEREIRA: “Com o fim dos partidos políticos, graças ao AI-2, Aluízio filiou-se ao partido do governo: a ARENA (Aliança Renovadora Nacional). Candidatou-se a deputado federal nas eleições de 1966, obtendo cerca de 20% do total dos votos. Em 1969, através do AI-5, teve seus direitos políticos cassados”. (1996, p. 140) Em síntese, pode-se afirmar assim como em outros estados do país, o populismo se estruturou no RN, de modo que conseguiu configurar Aluízio Alves como líder populista no estado. No entanto, mesmo depois da Lei da Reforma Partidária em 1979, quando extinguiu ARENA e MDB, Aluízio filiou-se ao PP (Partido Popular). Em 1982, foi candidato ao governo do estado pelo PMDB, onde perdeu a eleição para o candidato do PDS, José Agripino Maia. É óbvio, que seus “esforços” políticos não foram suficientes para a sua volta ao governo do RN. Articulações políticas para Aluízio Alves ganhar a cena (Articulações políticas que levaram Aluízio Alves a vencer a campanha de 1960) A crise da hegemonia política oligárquica no Rio Grande do Norte, abriu caminho para que o populismo ganhasse espaço junto à sociedade. Essa hegemonia política oligárquica era instituída pelas representações locais dos partidos UDN – do qual fazia parte Aluízio Alves - , e PSD, que desde 1947 revezaram-se no poder do Estado, garantindo os interesses das oligarquias, das quais eram os seus fiéis representantes. A partir de 1960, a sustentação desse sistema político, voltado para a manutenção dos interesses oligarquicos, já dava sinais de enfraquecimento e crise, pois, no cenário econômico e social do Rio Grande do Norte tinham ocorrido mudanças significativas, como por exemplo a atuação da burguesia e da classe média em prol da industrialização do Estado, que exigiam uma nova postura dos políticos que pretendessem alcançar e se manter no poder. Neste contexto, se um político se comprometesse com a causa da industrialização contaria com o apoio dessas classes emergentes e poderia assegurar um bom desempenho em sua escalada política. Aluízio Alves, fez mais do que isso! Apresentando-se como uma figura política inovadora capaz de romper com o atraso político e econômico, patrocinado pelas oligarquias, ganhou rapidamente o apoio da burguesia e da classe média, e, além disso, utilizando-se de práticas notoriamente populistas do tipo assistencialista e paternalista junto às camadas sociais mais carente ganhou o apoio também da população sofrida. Já em 1942, Aluízio Alves, demonstrava a que veio quando se lança a frente de uma campanha de Assistência aos Flagelados da Seca, que houve naquele anos, e depois ao tornar-se diretor da LBA no Estado. Quatro anos depois já era Deputado Federal pela UDN, conseguindo ainda três mandatos depois desse, 1950, 1954 e 1958, como Deputado Federal. Em 1958 Aluízio Alves, começa a maquinar a sua candidatura ao governo do Estado na eleições de 1960. Mais uma vez Aluízio Alves, utilizava-se de práticas de cunho puramente assistencialistas e imediatistas, porém que obtiveram grande impacto nos extratos populares. Foi com esse objetivo que ele apresentou um projeto à Câmara que fôra transformado em lei, chamada “Crédito de Emergência”, que teve grande importância durante sua campanha eleitoral, tornando-se um de seus carros-chefes. Em 1960, o destino político de Aluízio Alves, começou a ser definido com relação à postura política que teria durante a campanha. Primeiramente rompeu com Dinarte Mariz, por este não ter aceitado a indicação de José Augusto, feita por Aluízio Alves, à candidatura do Senado. Depois deixou a legenda da UDN, e passou a assediar o PSD em busca de encabeçar a sua chapa para governador, o que é aceita por Theodorico Bezerra, líder do PSD no Estado e pretenso candidato a governador, ao ser aconselhado pelo então Presidente Juscelino Kubitschek. Durante as conversações para coligação de partidos políticos, Aluízio Alves demonstrou ser um grande articulador político, pois conseguiu manter o apoio em torno de sua candidatura, de diversos partidos – ignorando as chamadas correntes ideológicas – tais como: PIB, PTN, PDC, PSP, PSB, e de alguns dissidentes da UDN local e além disso ainda tentava o apoio do comando nacional da UDN. Foi na sua campanha para governador do Estado do Rio Grande do Norte em 1960, que Aluízio Alves pôs em prática toda a sua capacidade em ser um político demagogo, populista e oportunista.